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Há homens incapazes de fazer autocrítica e mudar seu modo de ver as coisas, mais transparentes elas se apresentem. Outros, em algum momento de suas vidas, conseguem iludir os incautos e desatentos de seus contemporâneos. O apego ao passado ou seja lá o que for, todavia, prendem-nos a conceitos ou preconceitos e os empurram de volta a tempo definitivamente sepultado. É isso o que acontece, hoje, com o economista Arminio Fraga. Um dos membros da equipe que produziu o Plano Real, o profissional continua aferrado à falsa social-democracia do PSDB, de resto, uma sigla a caminho do desaparecimento. Faz poucos tempo, chegou-se a crer que Fraga havia alterado sua visão de Mundo, atento às consequências da globalização e à trágica realidade nacional. Por isso, deu a impressão de se ter tornado o que os conservadores, condenando-os, chamam desenvolvimentistas. Qual nada! Fraga, no bom e enviesado costume, defende o congelamento dos salários por 6 anos. Para ele, portanto, o trabalhador ganha muito dinheiro, e é isso que compromete as contas públicas. Para reforçar a imagem de falso social-democrata, ele volta a defender a diminuição do tamanho do Estado. Ou seja, está convencido de que todas as funções constitucionais vêm sendo eficazmente cumpridas. Não há brasileiro que se possa queixar de alguma carência, pelo menos no que toca a educação, saúde, moradia, segurança saneamento e transporte público. Para ficar apenas nessas carências.

O que há num simples nome? A rosa, com outro nome, não exalaria igual perfume?”

(Shakespeare. Romeu e Julieta. 1597)


José Ribamar Bessa Freire


Os deputados amazonenses aprovaram no dia 3 de abril último um projeto de lei em sessão da Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas (ALEAM), que mudou o nome da “castanha do Pará” para “castanha da Amazônia” e seus subprodutos como óleo, farelo, leite e até o ouriço. A ideia é tão genial quanto à “tarifaço” de Trump. A troca de nomes dialoga com o projeto do “fósforo com duas cabeças” pensado na década de 1960 na Câmara Municipal de Mafra (SC).

- Por que não fabricar fósforos bicéfalos para aproveitar o palito inteiro como ocorre com os cotonetes? – perguntou a seus colegas o edil catarinense que, dentro do plenário, para ilustrar sua fala, enfiou a extremidade de um cotonete no próprio ouvido direito, a outra no esquerdo. Aí, acendeu um palito de fósforo, apagou-o rapidamente e exibiu o resto:  

- Olhem aqui o que sobrou. Mais da metade. É incrível! Entre o desperdício e a economia, o Brasil opita pelo desperdício.

O líder da oposição (PTB) pediu um aparte:

Opta, nobre colega, opta.

O orador reagiu. Disse que sua opição era sugestão de um imigrante austríaco, dono de olaria em Mafra e correligionário da UDN (vixe, vixe). As opiniões se dividiram. Uns a favor. Outros contra. Armou-se o maior furdunço. O presidente da Câmara pediu ordem na Casa e botou as duas matérias em votação. O projeto do fósforo bicéfalo foi derrotado, mas opita ganhou com a diferença de três votos, sob o argumento, por analogia, de que o juiz apitou, não aptou o jogo do Atlético Operário de Joinville. Faz sentido.

Castanha e carecas

Foi assim que o Legislativo do Amazonas “opitou” pelo projeto do deputado Sinésio Campos (vixe vixe) que, apesar de pertencer ao PT-Am, em vez de optar, “opita” muitas vezes pelo time contrário. Até aí tudo bem. O português popular, diante de sílaba travada que termina em consoante oclusiva, para apoiá-la desenvolve uma vogal denominada de epentética pelos linguistas, às vezes com sucesso, como no caso da palavra inglesa football, que em espanhol é fútbol, mas em português ficou futebol tanto na fala como na escrita.

Voltando à vaca fria, cabe aqui invocar Romeu e Julieta e perguntar: com outro nome a castanha aumentaria suas propriedades de proteína, selênio e gorduras saudáveis? Ou continuaria exalando o mesmo “perfume”?

- Castanha do Pará ou da Amazônia, tanto faz, o signo é arbitrário como define Saussure. Com qualquer nome ela mantém sua natureza anti-inflamatória, antioxidante e cardioprotetora. A careca do nosso sobrinho Carlos Fábio se deve ao fato de ele odiar castanha portadora de selênio, que impede a queda de cabelo e fortalece o sistema imunológico – pontifica Maria do Céu, especialista em selênio e nanoplásticos. Exemplificou com o saudoso político Álvaro Maia, devorador de castanhas, apelidado de “Cabeleira”.

Ora, a castanha continua igualmente impedindo a proliferação de carecas com qualquer nome. Se o nome mudado nada acrescenta em sua natureza, então o que motivou essa troca?

Trata-se de velha rixa provinciana com o Pará, alimentada pelos aparelhos ideológicos: escola, família, mídia, poder político e que rende votos no Amazonas. Sinésio nega de pés juntos, alega que apesar de ser paraense de nascimento, acha o Teatro Amazonas mais bonito que o Teatro da Paz. Sua fala só vem reforçar os fins eleitoreiros do projeto, que pretende capiturar os votos de amazonenses preconceituosos, admiradores de paraense  “traidor” de seu berço. É o caso.

Fafá da Amazônia

Quem explorou o tema foi o então prefeito de Manaus, Amazonino Mendes. Em 2011, em visita à área de risco, onde duas crianças morreram soterradas pelo barranco, ouviu cobranças de uma moradora. Informado sobre a terra natal dela, o prefeito tripudiou numa gravação que viralizou no you tube:

- Paraense? Está explicado, minha filha, então morra, morra, morra.

A outra “justificativa” é que a castanha-do-Pará não é do Pará:

- “A produção da castanha não se restringe ao Pará como o nome sugere. Ela é cultivada em vários estados amazônicos” – pontifica Sinésio. Os dados estatísticos confirmam: o Amazonas foi o estado que, em 2024, exportou 14.303 toneladas de castanha, enquanto o Pará ficou com 8.807 toneladas, abaixo até do Acre com 9.145 toneladas.

Dizem que Sinésio, com o mesmo argumento, já está elaborando projeto de lei para trocar o nome da Fafá de Belém para Fafá da Amazônia, visto que suas gravações não se restringem ao carimbó, brega pop e lambada, mas incluem toadas amazonenses do Garantido e do Caprichoso. Se opitarem por tal façanha maior do que a da castanha, serão torpedeados com a debochada gargalhada da cantora.

A “ingenuidade” do Sinésio foi ignorar que Portugal tinha dois estados na América, cada um com legislação, governador e dinâmica histórica próprios. Em 1822, o grito do Ipiranga não foi ouvido no Pará, que permaneceu fiel a Portugal, até 1823, quando aderiu ao Brasil, como província, da qual fazia parte a Capitania do Rio Negro transformada, em 1850, em Província do Amazonas. A denominação “castanha do Pará” se referia, portanto, a toda Amazônia Brasileira. Até então, éramos todos paraenses, incluindo o jaraqui e o xis caboquinho.

A sanção do Wilçu

Após a crise da borracha, já no séc. XX, a Associação Comercial do Amazonas reivindica a mudança do nome para castanha da Amazônia ou do Brasil. Um decreto de 1961 assinado pelo presidente Jânio Quadros oficializa a denominação de "Castanha do Brasil", mas não colou. Foi revogado. O mercado externo usa, porém, "Brazil Nut" ou “Noix du Brésil".  

A lei seguiu para a sanção do governador Wilçu Lima, também um paraense, disposto a limpar a barra com eleitores de sua base no Amazonas depois de, em plena pandemia, comprar ventiladores hospitalares numa adega de vinho. Bolsonarista raiz, Wilçu está esperando o seu ídolo se desentupir para fazer sua “opição”.

Se sancionada, a lei entra imediatamente em vigor. Com tarifa aumentada em 10% para os Estados Unidos, o Pará e demais estados continuarão a exportar a “castanha do Pará” para mais de 60 países, enquanto apenas o Amazonas será o único a vender o mesmo produto como “castanha da Amazônia”. Ou da Pan-Amazônia? Existem castanhais na Bolívia, Peru e Colômbia.

Cascateiro e bacabeiro, Sinésio assegura que a mudança de nome “visa valorizar a identidade amazônica do produto e seus derivados e fortalecer no mercado internacional sua cadeia produtiva formada por extrativistas, organizações comunitárias e intermediários”. No entanto, a ALEAM não tem poderes para legislar para os demais estados da região norte e nem para o resto do Brasil. Há outro “porém”:

- “A mudança do nome por si só não será suficiente para agregar valor real à cadeia produtiva da castanha ou melhorar sua imagem no mercado internacional” - esclarece a economista Michele Aracaty, docente da Universidade Federal do Amazonas e presidente do Conselho Regional da 13 Região (Corecon-AM-RR).

Rainha da floresta

A Assembleia Legislativa do Amazonas atende ao apelo dos empresários, mas silencia sobre condições de semiescravidão de muitos extrativistas da castanha.

- “Eles devem ser melhor remunerados por seu trabalho com garantia de participação justa na cadeia produtiva. A Amazônia precisa de política ampla que valorize suas potencialidades locais, preserve o meio ambiente e melhore as condições sociais e econômicas das comunidades que dependem da floresta", afirmou Michele Aracaty.

É isso aí. Cabe indagar: por que os representantes do povo amazonense gastam tempo, verbas e verbos com um tema tão inócuo em detrimento de questões cruciais como segurança, educação e saúde?  O “sucesso” subiu à cabeça dos deputados, que já pensam em outras mudanças: o pão francês será “cacetinho” como querem os gaúchos; aquele chapéu-panamá que o Lula usa se chamará chapéu-parintins; a montanha-russa mudará para monte-roraima; a fila indiana para fila indígena.

- Agora sim, a minha vida vai mudar para melhor – ironizou a Preta nas redes sociais.

Por isso, muita pomba lesa identificada com o Legislativo amazonense quer ser representada por seus deputados, mantendo a sigla ALEAM, que passaria a designar a Assembleia da Leseira Amazonense.

Sei que é um trocadilho infame, mas se é para trocar o nome da castanha, por que não trocar para trocary? Trocando em miúdos, esse é o nome em Nheengatu do fruto ou semente que o colonizador denominou de castanha-do-Pará, segundo o dicionário de Stradelli (pg.184). Daí o topônimo ilha de Trocaris, no rio Solimões, que ainda hoje é repleta de castanhais.

Levado pelo padre Leonardo O´Leary em uma desobriga, quando era seminarista em Coari, visitei em 1960 o sítio de propriedade da dona Higina, herdeira de castanhais. Ela explorava a força de trabalho extrativista através do sistema de “endividamento” atrelado ao “barracão”, o que não me impediu de, deslumbrado com o porte majestoso da castanheira, entender porque é chamada de “Rainha da Floresta”.

Aviso que vou me rebelar contra a lei. Opito por continuar comendo castanha-do-Pará ou, de preferência, as nozes de trocary, considerando que a troca de nomes é inútil, ideia de quem não tem o que fazer. Os palitos bicéfalos de fósforos pelo menos queriam economizar. A castanha da Amazônia nem isso.

Referências:

1.Sabrina Rocha. Castanha-do-pará pode virar castanha-da-amazônia? Entenda o projeto de lei  aprovado no  AM  e  possíveis  impactos. G1 AM. 09/04/2025. https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2025/04/09/castanha-do-para-pode-virar-castanha-da-amazonia-entenda-a-projeto-de-lei-aprovado-no-am-e-possiveis-impactos.ghtml

2. Elen Viana. Aleam aprova lei que muda nome da ‘castanha-do-Pará’ em ‘castanha-da-Amazônia’. Rios de notícias. 07 de abril 2025. https://www.riosdenoticias.com.br/aleam-aprova-lei-que-muda-nome-da-castanha-do-para-em-castanha-da-amazonia/

3. E.Stradelli: Vocabulário Português-Nheengatu Nheengatu-Português. Cotia-SP. Ateliê Editorial. 2014     

5. Taquiprati: III. Lalau, as certinhas e os cocorocas. 01/06/2000 https://www.taquiprati.com.br/cronica/336-iii--lalau-as-certinhas-e-os-cocorocas

6.  Taquiprati: O Berlusconi da floresta amazônica: “Essa Coisa”. 27/02/2011  https://www.taquiprati.com.br/cronica/905-o-berlusconi-da-floresta-amazonica-essa-coisa




Semana passada, em discurso na Câmara dos Deputados, Luiza Erundina deu mais uma prova de sua bravura. A defesa do mandato do deputado Glauber Braga aumenta a distância da digna nordestina, feita a comparação com a maioria dos membros daquele órgão do Congresso. Os 90 anos vividos não diminuíram a sabedoria, o amor ao próximo e a bravura de Erundina.

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