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Alexandre Borges*



O autor Nassim Nicholas Taleb notou que o mundo celebra protagonistas de grandes eventos, mas ignora quem impede tragédias. Heróis silenciosos são aqueles abnegados que evitam um desastre e salvam vidas que nem sabiam que estavam em risco. Na tentativa frustrada de golpe no Brasil, muitos patriotas de verdade merecem ser lembrados.

O país acompanhou ontem as prisões de generais envolvidos na conspiração que não virou ruptura institucional porque alguns suportaram difamação, assédio e todo tipo de pressão e, mesmo assim, se recusaram a violar a Constituição. Vão dizer que não fizeram mais que a obrigação, mas foram além.

O general Marco Antônio Freire Gomes é o símbolo maior dessa resistência.

Comandante do Exército entre março e fim de 2022, ele havia sido nomeado para o posto após Paulo Sérgio Nogueira ser escolhido para o Ministério da Defesa. Em 7 de dezembro, na reunião em que foi apresentada a minuta do golpe, Freire Gomes disse claramente que o Exército não participaria de qualquer quartelada e chegou a avisar Jair Bolsonaro de que, se insistisse, o presidente receberia voz de prisão.

A partir daí, Freire Gomes foi alvo de uma campanha organizada de ataques. Recebeu mensagens questionando sua honra e sua lealdade ao país, ameaças veladas e pressão de antigos colegas. Um oficial da reserva chegou a chamar o legalista de traidor e a enviar fotos de familiares para intimidar. Freire Gomes se manteve firme.

Outro pilar da resistência foi o tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, comandante da Aeronáutica. No dia 14 de dezembro, Baptista Junior participou de uma reunião convocada pelo ministro Paulo Sérgio em que a famigerada minuta golpista foi apresentada. Ele se levantou e saiu da sala, deixando claro que também a Aeronáutica não entraria na aventura golpista.

A partir daquele momento, passou a ser hostilizado diariamente nas redes bolsonaristas, rotulado de "melancia" e acusado de "comunista". Não havia nada de espontâneo ou orgânico nesses ataques. As investigações da Polícia Federal revelaram que o general Walter Braga Netto orientou influenciadores a atacarem Baptista Junior e sua família.

A mesma máquina de intimidação atingiu outros oficiais generais do Alto Comando do Exército. O General Tomás Miguel Ribeiro Paiva, comandante militar do Sudeste, foi alvo de mensagens que pretendiam enlamear sua imagem publicamente apenas por defender o papel constitucional das Forças Armadas.

O general André Luis Novaes Miranda, comandante militar do Leste, também foi vítima dessa ofensiva digital organizada. O general Valério Stumpf, chefe do Estado-Maior do Exército, enfrentou acusações falsas e difamações fabricadas.

O general Richard Fernandez Nunes, comandante militar do Nordeste e também legalista, foi mais um atingido pelo mesmo padrão de agressões. E o general Guido Amin Naves, que chefiava o Departamento de Ciência e Tecnologia do Exército e coordenou o relatório técnico das Forças Armadas enviado ao Tribunal Superior Eleitoral, foi atacado por simplesmente registrar que não havia fraude nas urnas. Nenhum desses oficiais cedeu.

Um ano antes, outro servidor público já havia agido para impedir que o ambiente institucional se deteriorasse. Outro herói de quem você nunca ouvir falar, mas que, sem ele, a história poderia ser outra.

O procurador militar Armando Brasil Teixeira, atuando no Pará, identificou risco concreto de policiais militares armados circularem nas manifestações convocadas por Jair Bolsonaro para o 7 de setembro de 2021.

Armando Brasil Teixeira exigiu das corregedorias da PM e do Corpo de Bombeiros paraenses planos de contingência, regras claras e medidas disciplinares para evitar que a corporação fosse usada como massa de manobra. Ele também entrou em contato direto com pares no Brasil inteiro, recomendando que fizessem o mesmo e fornecendo subsídios para as petições.

Ele fez tudo isso discretamente, sem buscar reconhecimento e sabendo que seria criticado por setores radicalizados. O fato é que, naquele dia, não houve confronto armado envolvendo agentes públicos. Os golpistas armados haviam sido desmobilizados.

Também merecem destaque os policiais que enfrentaram a violência extrema de 8 de Janeiro.

O segundo-tenente Marco Teixeira, do pelotão Patamo Alfa da Polícia Militar do Distrito Federal, liderou cerca de vinte policiais que tentaram conter uma multidão que avançava sobre a Praça dos Três Poderes. Sua tropa ficou exposta, sem reforço adequado, e mesmo assim manteve posição.

A cabo Marcela da Silva Morais Pinno foi agredida brutalmente, jogada da cúpula do Congresso e quase teve sua arma tomada. Sua promoção por bravura não registra nem de longe o custo físico e psicológico daquele dia.

O que ficou evidente é a distância moral entre quem planejou a ruptura e quem impediu.

De um lado, generais agora presos por ordenar ataques, assinarem documentos golpistas, promoverem intimidação e articularem a derrubada de um governo eleito.

Do outro, profissionais que, sem garantias de proteção, defenderam a legalidade sem alarde e sem expectativa de reconhecimento. A lógica de Taleb se confirma: ninguém erguerá monumentos a esses servidores, porque o desastre que evitaram nunca aconteceu.

Este artigo cita apenas alguns. Há muitos outros, civis e militares, que não aparecem em inquéritos, reportagens ou decisões judiciais, mas que atuaram dentro de suas funções para impedir a ruptura institucional.

A eles também presto reverência. São brasileiros que honraram a Constituição quando isso significava enfrentar pressão política, risco pessoal e ataques à própria reputação. São os heróis silenciosos que impediram o golpe de 2022.

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*Colunista do UOL. 25/11/2025

 
 
 

"Assim como se desencadeiam o frio, a chuva e o barro das ruas, quer dizer, o insolente e arrasador inverno do sul da América, o verão também chegava a estas regiões, amarelo e abrasador."

O poeta Pablo Neruda nos fala da Arte da Chuva, em Confesso que Vivi, livro autobiográfico, publicado após sua morte. Fala da sua infância, da verve poética, do partido comunista chileno, do golpe em Salvador Allende e conta muitas histórias.

"Passaram-se alguns anos desde que ingressei no partido... Estou contente... Os comunistas formam uma boa família... Têm a pele curtida e o coração moderado... Por toda parte recebem golpes... Golpes exclusivos para eles... Vivam os espíritas, os monarquistas, os anormais, os criminosos de todas as espécies... Viva a filosofia com muita fumaça e pouco fogo... Viva o cão que ladra e que morde, vivam os astrólogos libidinosos, viva a pornografia, viva o cinismo, viva o camarão, viva todo o mundo, menos os comunis..."

Cá estou, relembrando minhas leituras de adolescente. Me veio à lembrança como um "insolente e arrasador inverno do Sul da América" o Confesso que Vivi do Pablo. Confieso que he vivido.

O sentimento não é por acaso.

Na minha adolescência, vivi e combati a ditadura, nos seus estertores, mas ainda torturando e matando, como na OAB e no Riocentro. Vivi o Partido Comunista, o brasileiro, e aprendi que os "comunistas formam uma boa familia... Têm a pele curtida e o coração moderado".

Vivi a redemocratização, fui estudante das belas caminhadas e da coragem de enfrentar a repressão, com a altivez de todo revolucionário. Vivi o renascimento dos direitos políticos arrancados pela ditadura militar e fui para a rua defender meus sonhos, agora respirando democracia.

Vivi para ver uma das maiores revoluções tecnológicas da nossa história e mergulhei como um adolescente na descoberta das novas formas de comunicação. A Globo já não estava sozinha. Agora o mundo poderia ouvir a voz de um morador da favela de Manaus.

Quando pensei que tinha vivido cem anos e a solidão não tinha me abrasado, vivi a presença nefasta do fascismo. Novamente, peguei a bandeira da democracia e fui para as ruas. Mas a luta se tornou mais intensa e passou a ser também pela vida. Chorei, sofri as perdas de tanta gente amada.

Confesso que a dor de viver foi terrível.

Mas nunca me desfiz dos meus sonhos e, mais uma vez, a democracia raiou, agora com a tristeza e a saudade dos amigos e amigas que partiram na pandemia.

Confesso que nunca pensei em desistir.

Confesso que vivi para ver golpistas caminharem para a cadeia como traidores caminhavam para o cadafalso.

Eles estão na cadeia.

A democracia venceu.

Confesso que continuo vivendo, com as lágrimas da indignação e o espírito dos que partiram. Neruda vive, todos vivem na derrota da corja golpista.

O verão chegou abrasador nessa parte da América.


Lúcio Carril

Sociólogo

 
 
 

“O passado não é revivido como lembrança, ele é atualizado no processo de memorialização”  (José Murilo de Carvalho. 2010).


Memória, endeusada pelos antigos gregos como Mnemósine, mãe de nove musas protetoras das ciências e das artes, é uma fonte de imortalidade. Na peça “Não me entrego, não”, um monólogo de duas horas encenado por Othon Bastos, “Memória” é personagem vivida pela atriz Juliana Medela. Inicialmente era um “ponto” escondido nos bastidores, que "soprava" o texto quando o ator, de 92 anos, eventualmente o esquecia. Mas logo passou a contracenar no palco, como um recurso cênico, acionada na hora de algum “branco”.  

 - Achei interessante ter uma espécie de Alexa em cena – brincou Othon. Nós, espectadores, concordamos. Por isso, o deslembrado Taquiprati plagiou o grande Othon e trouxe a “Memória” ao palco desta entrevista para identificar, na celebração dos 75 anos da Uerj, quem era o cúmplice da instituição aniversariante. Contou como referência, entre outros recursos, a Rede Memória Institucional da UERJ – Nilcéa Freire.  https://www.taquiprati.com.br/cronica/1806-memoria-quem-e-o-tal-cumplice-da-uerj-v

 
 
 
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