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Recente texto assinado pelo sociólogo e cientista político Bolívar Lamounier tenta explicar o fenômeno Donald Trump, n' O Estado de São Paulo. Embora o título (Um enigma facilmente desvendável) paire acima de comentário relacionado a acontecimentos históricos fartamente explorados (muitos dos quais ainda não esgotados em sua interpretação), o texto apresenta lacunas cujo preenchimento se faz necessário. Ora um, ora outro dos leitores do conhecido profissional brasileiro certamente porá luz onde haja carência de informação. O texto, editado no Espaço Aberto do jornalão paulista, à página 4, menciona desde as mais recentes peripécias do Presidente norte-americano, até a indicação do hábito muito apreciado nos Estados Unidos da América do Norte - o assassinato de seus presidentes. Quatro deles foram mortos, no território daquela nação, durante algum tempo postulando o direito de ser tomada como um modelo de democracia. Não bastasse ser a riqueza material (o dinheiro, digamo-lo, sem peias) determinante nas decisões oficiais, de que o próprio Lamounier dá exemplo (a derrota de Hilary Clinton, quando teve mais votos que o mesmo Trump), a ascensão do atual Presidente é, em si mesma, a negação da pretensão democrática tantas vezes proclamada. O que interessa, no entanto, pelo menos neste texto, é o risco de Donald Trump "detonar a organização econômica mundial". Não é preciso saber mais do que os meios de comunicação mundiais trazem ao conhecimento dos habitantes do Planeta, para constatarmos quanta razão Lamounier tem, para dizê-lo. Aqui é que se pode verificar a lacuna. Parece-me facilmente desvendável a maior aspiração do responsável pelas atuais incertezas do Mundo, de que suas decisões e sucessivos recuos dão testemunho. Empresário experiente e nem sempre orientado por valores positivos, Trump busca maior fortuna, não o bem-estar da população que (não, pelo menos no pleito anterior) o elegeu. Isso é o que parece claro em suas idas-e-vindas, dependendo da reação dos seus ameaçados interlocutores. Melhor que este escriba provinciano, os governantes da China podem dizer algo mais.


                                                                               José Seráfico

A organização dialética do Universo coloca-nos frequentemente diante de situações, no mínimo, desafiadoras. A morte, tida por indesejável, acaba acendendo luzes dentro de nós, enquanto o que é por ela levado ascende ao mais alto píncaro da dignidade humana. A morte de José Pepe Mujica, ex-Presidente da república do Uruguay, renova as esperanças de um Mundo melhor, a despeito de encerrada a permanência terrena de um homem dos que mais lutaram por isso. Chega a gerar nossa pena, dó de nós mesmos, incapazes enquanto Pepe era vivo, de perceber sua grandeza, feita de tranquila humildade. Sua sabedoria, forjada no amor ao próximo. Sua paz consigo mesmo, de que só desfrutam os que se despedem dos que ficam com a certeza de que fizeram quanto foi possível fazer. Sem ódio, sem ressentimento, sem ambição, sem outra coisa que o devotamento a uma causa em que acreditava. Devotamento erguido sobre bases profundas, como alimentadas pelo mesmo adubo com que Mujica cultivou flores. Regado com o sentimento solidário que marcou sua passagem pelo vale de lágrimas, no caso dele vertidas sobretudo pelo empenho em tornar melhor o Mundo, a Terra, o Uruguay, o sítio onde floresciam junto com as flores, os propósitos que o tornaram um dos pensadores e governantes – em suma, e síntese: um dos homens mais sábios deste terceiro milênio. Não é vão o exemplo de José Pepe Mujica, como não o será tudo o que o mundo disser a respeito dele. Por isso, repetem-se e repercutem as manifestações de todos os setores, em especial dos que, acostumados (ao mesmo tempo decepcionados, desanimados e agredidos) com o empobrecimento humano destes intranquilos dias, só agora têm olhos de ver. Ver partir um exemplo de carne e osso feito, em que se aninham os sentimentos mais dignos da superioridade atribuída ao ser dito humano. Pepe se vai, mas fica conosco a certeza de que a vida dele, suas palavras, sua ação, seu exemplo, são o que de mais digno e edificante nos há de inspirar, vida afora, até que chegue nosso dia de partir. Vai, Pepe! Deixa conosco teu exemplo!*

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*Muitos textos foram – muitos ainda serão – publicados sobre José Pepe Mujica. A leitura de, pelo menos dois deles, ajudará a encontrar a razão do texto acima: Fusca azul flor de maracujá, de João Guatá, no Pasquim Cuiabano; e de Edward Magro, no Diário do Centro do Mundo, Adeus, meu amado Pepe Mujica.

Envergonho-me â leitura de certos relatos, abjetos e ridículos. Como o que encontrei divulgado nas redes antissociais, o único espaço que condiz com o veneno produzido pela mentira. O autor do depoimento iracundo e cheio de vileza, trata de sua visita à nação que ele vê como a sede do império ao qual seu país de nascimento deve submissão e honras. A descrição deslumbrada do império em ruína tenta impor aos brasileiros a ideia de que somos menores, vassalos obedientes e risonhos. Lá, cujo governante, por palavras, gestos, decisões e ações mostra a principal falácia de todos os tempos - o suposto clima democrático - é onde o bárbaro desfruta da desigualdade que ajuda a construir, na terra em que nasceu e de cujos irmãos extrai a última gota de sangue. Até um dia em que o objeto de sua idolatria põe-no a correr. Se antes a Interpol não o trouxer de volta, como tem feito aos construtores da infelicidade alheia. As agressões contra o Poder Judiciário sugerem o envolvimento do autor em atividades de que as autoridades policiais fazem seu ganha-pão. A denúncia nem sempre justa da prática de corrupção, vá-se ver, pode muito bem ser usada para desviar a atenção de atos semelhantes, por ele também praticados. Ao que se saiba, muitos desses brasileiros subservientes e colonizados omitem-se no esforço por resolver nossos próprios problemas porque, afinal, sua perversidade concorre para que tais problemas existam, desenvolvam-se e se ampliem. Percebo, todavia, chegar o momento em que, além da vergonha, sou tomado pela sensação de nojo.

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