top of page

Atualizado: há 2 dias

A proximidade física entre o político e o eleitor levaria, supõe-se, ao melhor desempenho do representante dito popular. A partilha do cotidiano, a participação no dia-a-dia da comunidade representadas, em tese, assegurariam maior fidelidade de um - o vereador, no caso - ao outro, que com seu voto confere o mandato municipal. Deputados estaduais e federais, portanto, teriam menor grau de compromisso e fidelidade em relação aos eleitores. A realidade vem mostrando, com frequência crescente, não ser bem assim. Ainda agora, dois vereadores incidem nos mesmos vícios praticados por representantes na Câmara dos Deputados, sobretudo. Pelo menos dois dos políticos mandados pelos eleitores municipais para representa-los nas câmaras de cidades brasileiras veem-se, agora, envolvidos em fatos nem de perto incluídos dentre seus deveres e prerrogativas. O primeiro deles, o vereador Alexandre Frota, que o eleitorado fez vereador em Cotia-SP. Condenado por crime contra a honra, o ex-ator de televisão e filmes pornô foi cassado e cumprirá prisão domiciliar. Outro, o vereador Bual, integrante da Câmara Municipal de Manaus, parece ter nos zeros-à-esquerda sua bússola. Tanto, que a Polícia Federal colheu provas da prática da rachadinha. Tudo, segundo o devido processo legal. Como manda a democracia. Na lista desses filhotes da deterioração política, não está fora a vereadora que aplaude colega agressor de mulheres. O fato ocorreu em Borba-AM. Se a visão estreita e a ignorância de muitos membros da Câmara dos Deputados faz deles vereadores federais, a delinquência de alguns vereadores torna-os deputados municipais. Talvez, o avesso do avesso de que fala Caetano, em uma de suas belas canções.

 
 
 

A Folha de São Paulo, edição de 04 de outubro passado, traz oportuno e interessante artigo redigido pelo senador Hamilton Mourão. Sob o título Valores ocidentais e pactos de gerações, o ex-Presidente do Clube Militar e ex-vice Presidente da República contribui para entendermos o Brasil atual, que ele caracteriza como majoritariamente conservador. Se bem que esse conceito não esteja suficientemente esclarecido no texto, a impressão que se tem é a de que o parlamentar ainda não superou a condição de militar, daí a repetição de chavões e afirmativas desconectadas com seu tempo. Pode-se até compreender que a transformação de um profissional formado na caserna e nela tendo permanecido prolongado tempo, reflita os valores e conceitos ali aprendidos. Mais que qualquer cidadão, o senador Mourão deve conhecer a participação das forças armadas na História. Há os momentos de grandeza, como os há de miséria - humana, política e social. Tais fatos, mais importantes e fundamentais na nossa formação como sociedade, não parecem ter estimulado o raciocínio e a manifestação do general hoje na reserva. Os tais valores ocidentais, como os conhecemos, não correspondem a mais que a imposição de catecismo agradável aos que criaram, manejam e controlam a organização da vida em sociedade. Em outras palavras, aqueles que de fato detêm o poder. Este, como também se sabe, veem o estado como um estorvo aos seus propósitos lucrativos, a ponto de viverem fustigando a entidade político-jurídica que se alega oferecer o equilíbrio necessário à paz social. Por isso, a captura das funções e decisões do estado tem sido o objetivo dos que não o conseguem destruir. Nossa experiência resulta de um processo em que mais e mais se tem aprofundado a desigualdade, mais e mais seres humanos são condenados à pior forma de sobrevivência. Se olharmos para o Mundo, onde tal processo se funda nos mesmos valores (que, superficialmente embora, se diz serem "ocidentais"), onde a desigualdade ainda é menor, o mesmo fenômeno anuncia vir-se agravando. É oportuna a manifestação escrita do senador Hamilton Mourão, no sentido de que ele parece - ao contrário do seu chefe mais recente - convencido de que as palavras e as ideias valem mais que mil revólveres. Ou uma só bomba atômica. É importante saber dele, no entanto, quanto se torna perda de tempo fixar-se em supostos axiomas ideológicos, se o Mundo só nos oferece uma constante - a mudança. Assim, pensar no século XXI como se estivéssemos décadas atrás concorrerá muito pouco para equacionar e resolver os conflitos que justificam novos pactos - e não só os que se relacionam às gerações. Estas sempre estiveram presentes, seja qual for a época histórica. As mudanças tecnológicas, os conhecimentos científicos acerca do ser humano e as relações interpessoais, a experiência de outros povos, tudo isso, enfim, parece ter sigo negligenciado pelo hoje senador. Como ele parece interessado em refletir e revelar o resultado de suas reflexões, certamente os próximos textos que escrever e publicar trarão maior contribuição para o debate de tema fundamental para a sociedade.

 
 
 

A resposta dos agentes políticos ao clamor da ruas frustrou os que se valem de mandatos conferidos pelo povo para praticar toda sorte de ilícitos. O instituto da imunidade parlamentar, sujeito às piores intenções e aos mais abjetos valores, percorreu longo caminho, até estimular a criação da PEC não sem razão chamada da bandidagem. Desvirtuada a proteção ao bom exercício da representação popular, cada dia mais penetra nos ambientes legislativos o propósito de auferir vantagens pessoais, à margem da legislação que os próprios beneficiários de liberalidades absurdas tratam de impor a terceiros. Já se tem indicado em grande parte deles a intenção de fazer do Parlamento não mais que um balcão de negócios. O mercado, levado a território sem limites, onde tudo se vende e tudo se compra. Sempre, e neste caso muito mais, a bom e volumoso preço. Desde a crítica justa e fundada, até crimes comuns, que nada têm a ver com a delegação oriunda do voto dos cidadãos, têm sido praticadas, como se agentes públicos sujeitos ao escrutínio dos eleitores estivessem acima de seus mandantes. Uma inversão em nenhuma hipótese justa, moral e humana. A essência da proposta da PEC da bandidagem, haveremos de admitir, funda-se em pressuposto de nenhuma forma admissível. Ela quer classificar os cidadãos, distinguindo os que podem e os que não podem praticar crimes ou ser chamados a responder pelos ilícitos praticados. Uns, porque detentores de mandatos, estariam acima dos demais, exatamente os que lhes conferiram a autorização para legislar. Quando o ideal seria ter o parlamento legislando em defesa do cidadão comum - aquele que não tem diploma expedido pela Justiça Eleitoral -, observa-se o empenho do representante em reservar para si mesmo a proteção da Lei. Não fosse imoral a legislação em causa própria, restaria ao menos o pudor de ofender terceiros, muitos dos quais responsáveis pela obtenção do mandato (mal) exercido. As manifestações de rua fizeram os interessados na PEC da bandidagem recuar. A volta às ruas, se mais frequentes e mais frequentadas, poderão alterar esse animus (algumas vezes necandi, intento de matar) dos parlamentares, para evitar, definitivamente, que os cidadãos sejam classificados segundo tenham ou não um mandato. Se a ação nada tem a ver com o exercício de mandato popular (como a calúnia, o estelionato, o homicídio, o feminicídio, a corrupção etc.) não será de um deputado, vereador ou senador que se estará tratando, mas de um simples delinquente. As medidas legais têm que ser, portanto, igualmente executadas.

 
 
 
bottom of page