Todos discutem a crise institucional que envolve atualmente, sobretudo os poderes Legislativo e Judiciário, como se nada tivesse a ver com os interesses em jogo e a má percepção do fenômeno democrático. A democracia à brasileira parece fundada na convicção de que lei boa é a que beneficia cada um, não todos ou a maioria. Ou seja, o interesse coletivo deve se submeter ao interesse de classe. É a luta de classes, frequentemente negada pelos desatentos. Ou piores que isso. É inegável a entrega de questões importantes à convicção pessoal de um magistrado, em especial quando sua condição é a de um membro de coletivo, no grau mais alto do Poder Judiciário. Todavia, a frequência com que tais decisões é tomada expressa certa volúpia pelo exercício do poder, em qualquer caso prejudicial a uma democracia. Não é isso o que ocorre, em repúblicas minimamente respeitáveis. Inadmissível, igualmente, ignorar a desídia do Poder Legislativo, quando se trata de elaborar as leis complementares exigidas pela Constituição. São elas, contudo, as normas responsáveis por levar à efetividade os direitos prescritos na Lei Maior. Sem elas, estabelecem-se verdadeiros vácuos que, equivocamente ou não, o Judiciário imagina de seu dever preencher. Uma coisa se vincula à outra, portanto. De um lado, a omissão legislativa; do outro, a ânsia por mostrar-se poderoso. Essa relação, em muito responsável pela crise entre os dois poderes, sequer é mencionada pelos pretensos analistas, cada um deles puxando a brasa para sua própria sardinha. Seria ingênuo imaginar que todos têm consciência disso, tanto quanto deixar ao largo os interesses que levam à crise. Ignorantes uns, maliciosos outros, todos concorrem para evitar o cumprimento do princípios mais salutares e dos valores mais apreciáveis, os que dizem respeito ao Estado Democrático de Direito. Não que a autonomia de cada poder em relação ao outro os torne adversários, nem que o esforço por torná-los harmônicos seja desprezada. Não é difícil, como suposto, encontrar na própria Constituição as balizas desse comportamento autônomo e harmônico, em concomitância. Refiro-me ao artigo 5º da Constituição, onde se constituem os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. Tais objetivos devem servir ao propósito e às ações dos três poderes, cada um deles atuando em sua área própria, sem perda de vista dos objetivos para que o estado republicano e democrático se constituiu. Sem perda, também, dos deveres a todos eles impostos pela autonomia e a harmonia, a saber: manter uma sociedade livre, justa e solidária (artº 3º, I); garantir o desenvolvimento nacional (artº 3º, II); erradicar a pobreza, a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (artº 3º, III); e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (artº 3º, IV). Como chegar a esses objetivos e ao cumprimento fiel dos preceitos constitucionais, é, em consequência, o problema a enfrentar. Não será nomeando pessoas terrivelmente qualificadas ou previamente atreladas a grupos políticos específicos que tal nó será desfeito. Muito menos, renovando mandatos de pessoas cujo cérebro é substituído pelos intestinos, mesmo no trato de assuntos, temas e problemas que dizem respeito a todos os cidadãos. O fato de que os partidos políticos cederam espaço às bancadas específicas, como as da bala, do agronegócio, dos Municípios, da educação, dos transportes e similares é sintomático. Ideologias estão muito aquém dos interesses representados. Seu mais visível produto é o que chamamos centrão - apenas uma excrescência de democracia jamais alcançada. Pelo menos entre nós.
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