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Não são os monstros

seres extraordinários

frequentadores dos contos

fantásticos e surreais

eles cruzam conosco pelas ruas

cheios da matéria apodrecida

que os preenche e inunda

corações petrificados

almas – se a têm –

putrefatas e dissolvidas

em pesadas poções de ódio

à espreita esperam que cheguemos perto

sabendo como nós que morte é coisa certa

tratam de alcançá-la

desde que delas

não sejam os primeiros a desfrutar

na morbidez de seus espíritos moribundos

seres resgatados dos infernos

mais profundos.


Manaus, 13-10-2022


 
 
 

Levaram o bicho para casa

doíam neles a esqualidez do bicho

as sarnas daquele ser vivo

desesperado

tão relegado à solidão

que nem os outros de sua

espécie

ousavam aproximar-se


Reservaram o lugar mais quente

deram-lhe conforto e atenção

como jamais tivera

o alimento lhe foi servido

como jamais o fora

irados e roucos

dessa vez seus uivos foram

ouvidos


Generosos

carregaram o bicho em seus braços

cumularam-no de carinho

como se acarinham os inocentes

assim o bicho cresceu

tornou-se forte

aumentaram-lhe as mandíbulas

os dentes se fizeram afiados

cortantes uns, molentes outros

agora poderia morder

as mãos que o afagaram

as bocas que o beijaram

o bicho saiu por aí

sem poupar mordidas

derramou o sangue

dos que lhe deram

de comer...

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*Poema publicado originalmente em Veleidades Poéticas. São Paulo. Editora Scortecci, 2021, p.120.




 
 
 

Quantos 100 cabem

em 670 mil?

será sempre preciso

fazer contas

em contagens e vantagens

conferidas

se de morte se trata

ou de poemas

quantos darão conta

dessas vidas?


Quais os que viram

sorrateiro e zombador

um coronavirus

em si mesmo isolado

ou quanto for

o séquito por ele

ferozmente comandado

sem que haja uma só força

que o revide

e mate o que nele traz a dor


Triste bandeira

em que o vermelho

não é de tinta

nem a foice e o martelo

são tão novos

parte do povo

tornado exangue

o líquido vertido

de uma raça quase extinta

a dor esgotando todo sangue.


Manaus, 20-05-2022

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*Quando os especialistas advertem para o risco de uma nova onda da pandemia e o 100º poema do autor nesta série, que agora fará uma pausa. Que o vírus também a faça!


 
 
 
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