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Enquanto o Ministério da Justiça e da Segurança Pública tenta aprovar um Plano Nacional de Segurança, os oposicionistas preparam apetecível cardápio. Se as alterações propostas pelo relator do PL anti-facção forem aprovadas, estará aberta a porta por onde forças estrangeiras invadirão o País. Será satisfeito, assim, o apetite reiteradamente revelado por Donald Trump. O pretexto de combater o tráfico de drogas ilegais tem sido usado pelo governo norte-americano, sem que até o momento o belicoso e decadente imperador tenha apresentado qualquer evidência de sua alegação. Não obstante, mortos já são contados e embarcações foram ao fundo do mar. A fragilização da Polícia Federal, com a redução das prerrogativas que facilitam a atuação do órgão, experimentada no governo passado, é mais uma vez tentada. Nada que alimente surpresa a algum brasileiro honesto e minimamente informado. Basta lembrar o destino de boa quantidade de armas pesadas que foram parar nas mãos de organizações criminosas e milícias, com o desmonte de órgãos públicos promovido no período 2019-2022. Na cozinha de Arthur Motta, de que o deputado Derrite manipula os temperos, prepara-se o banquete a servir em bandeja de ouro ao Presidente dos Estados Unidos da América do Norte. Ontem, Panamá, Colômbia e Venezuela foram ameaçados. Quando chegará a hora do Brasil? Que há gente interessada nisso e disposta a carregar e entregar a bandeja, os fatos não autorizam negar.

 
 
 

Com a ajuda dos humanos - os que realmente o são e os que pretextam ser -, a natureza vai impondo castigos aos habitantes da Terra. Ora é o rio, destruindo com fartas águas e inesperada violência, como resposta à incúria dos governantes e à cumplicidade dos que os levaram aos postos ocupados; ora os ventos se encarregam de punir a desigualdade produzida, resultado inevitável do egoísmo sem limite. De um caso, o exemplo mais recente foi a enchente que a bacia do Guaíba derramou sobre Porto Alegre e boa parte do território do Rio Grande do Sul. O tornado que sábado varreu o Estado do Paraná (um pouco menos, tambem o de Santa Catarina) dá igual testemunho, relacionado à outra hipótese. Outra, tragédia tão lamentável quanto ambas, ocorreu no Rio de Janeiro. Sendo que, dessa vez e nesse local, pesaram mais a vontade e a visão de mundo do governante.

Com uma agravante, de nenhum ponto de vista lisonjeiro, de ter produzido mais mortes que nas tragédias anteriores. O massacre mais recente ultrapassou os 111 mortos do Carandiru. Em todos os quatro estados, instalaram-se governos inspirados no que de pior o ser humano - real ou presumível -ostenta: o culto à morte, o desprezo pelos valores correspondentes ao que Hannah Arendt chamou condição humana. Do agnosticismo em que me instalei, contrastado aprecio os fatos. Reflito sobre eles e tento explicar o que me parece desafio a que todos os seres humanos deveriam responder. Refiro-me à ideia de deus, esse ser a cuja onipotência muitíssimos atribuem a criação, regência e destino do Universo. Desses, não são poucos os que entregam sua própria vida a tarefa tão pouco afeita à ideia de um ser superior e divino. Uma espécie de fuga à responsabilidade de cada um, diante de uma sociedade cujos valores e condutas distanciam-se do que é proclamado como determinação vinda do alto. Aí, então, cresce em mim o sentimento de que o Universo, a Terra pelo menos, é regida por energias, as contidas no solo, no sol, no subsolo, nos rios e, também, as que habitam a mente humana. Quem sabe é da cabeça da maioria dos terráqueos sociáveis, fraternos, incomodados com a desigualdade, que tem vindo a energia punitiva, como ela se mostrou no Rio Grande do Sul, no Paraná e no Rio de Janeiro? Onde mais, agora?

 
 
 

Pode-se até discordar de alguns pontos abordados por Pablo Ortellado, em seu artigo da última sexta-feira, que O Globo publicou. De uma coisa, entretanto, é difícil divergir. No ponto em que ele destaca ter havido algum erro da esquerda, principalmente da que ele considera esquerda acadêmica. Segundo o articulista, o filósofo que ele chama pragmatista praticamente (por óbvio!) previu o que todos testemunhamos, como um recuo nas conquistas democráticas. A obra em que se baseia o jornalista, editada pela Harvard University Press em 1988, é Achieving our country – Conquistar nosso país, em tradução direta. Nesse sentido, muitos dos ganhos obtidos pelas mulheres, os negros e os trabalhadores norte-americanos teriam sido revogados ou desprezados, em razão de algum erro cometido pelos progressistas, não apenas pelas más intenções dos conservadores. O tema é bem adequado à revisão das posições das esquerdas, mas não apenas na terra de tio Sam. Se de lá emana boa parte da inspiração dos governantes, mundo afora o ideário inspirador de Trump et caterva conta com a contribuição, consciente ou inconsciente, de muitos que um dia se disseram progressistas, em todos os continentes. O Brasil não escapa a esse fenômeno, de resto repetição insossa e despropositada de uma espécie de conservadorismo. Não aquele vinculado à origem de classe do indivíduo, mas insensível à compreensão do mundo à sua volta. Uma contrafação do que seria a percepção adequada da realidade, quando se constata esse que parece fenômeno próprio do Brasil, embora se espalhe por todos os continentes – o pobre de direita. Ora, pelo menos, e no extremo, dois discursos disputam o coração e as mentes dos cidadãos. Um faz da acumulação de bens materiais e do desprezo pelo que Hannah Arendt chamou condição humana, seu roteiro e guia; outro, lembrado ainda da Revolução Francesa, postula a igualdade social como corolário da liberdade individual, por sua vez geradora da fraternidade desejável entre humanos. É no abandono das teses que os pensadores iluministas e seus seguidores defenderam que se pode encontrar a razão do fracasso dos progressistas. Isso não quer dizer que as teses opostas tenham virtudes, mas bem pode contribuir para explicar a conversão de antigos revolucionários (à moda da Revolução Francesa), em defensores e, por isso também, promotores da desigualdade crescente. Nosso discurso é pior que o deles? Nem sempre, se nos concentrarmos apenas na substância, facilmente destorcida, de que dão prova as redes de internet e as fake-news que as divulgam. Daí a importância de atentarmos, pelo menos, para duas circunstâncias: uma, a de utilizar com a mesma eficácia as vantagens que as novas formas de comunicação em massa oferecem. A outra seria a manutenção da coerência e da (perdoem-me, mas não encontro outra expressão) dignidade. Talvez a frase de José Saramago explique melhor: não faria, como adulto, nada que me fizesse envergonhar da criança que um dia fui. Alguns chamam a isso coerência. Outros, maledicentes, dizem que é caturrismo.

 
 
 
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