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Roberto Caminha Filho*


Belém, a eterna senhora do Norte, está se preparando para o maior espetáculo da sua história recente: a COP30, a conferência mundial sobre o clima que fará da cidade o centro do planeta. E veja só a coincidência divina: tudo isso acontece logo depois do Círio de Nazaré, um ensaio de gala, quando as ruas ainda exalam manjericão, promessas e fé.

Belém, que já consegue colocar um milhão de pessoas nas ruas sem perder o bom humor, nem o pato no tucupi, agora se ajeita para receber ministros, ambientalistas e curiosos de todas as partes do globo. E cá entre nós, se o Círio já é a mais linda procissão de fé coletiva do Brasil, dá pra imaginar uma COP abençoada por Nossa Senhora de Nazaré?

Quem passou por Belém nos meses que antecederam o evento jurava que a cidade havia virado uma mistura de estaleiro e formigueiro. Ruas abertas, pontes sendo consertadas, praças virando cartões-postais e casarões históricos sendo penteados para as câmeras do mundo.

O Ver-o-Peso ganhou nova fisionomia: as telhas limpas, os corredores organizados, e o peixe — sempre ele — virou protagonista de um turismo sustentável. Até os filhotes, peixe dos melhores, se pudessem, dariam entrevista. O Mercado de São Brás, então, renasceu como vitrine da gastronomia paraense, com cheiro de tucupi, aguardente de jambu e tecnologia verde.

Os belenenses, pacientes, viram tratores passarem diante de suas janelas e aprenderam a rir da poeira:

“É pra COP, meu filho! Aguenta que vai ficar bonito!”

E não é que ficou mesmo? A cidade se enfeitou como quem vai receber a visita de Deus, de N. S. de Nazaré e da ONU, todos no mesmo período. O Leão IV está morrendo de inveja, mas o Chefe e a mãezinha estão mandando na filial do Céu.

Belém não precisou aprender hospitalidade. Já nasceu sabendo. Na terra do açaí, o estrangeiro chega tímido e sai de alma lavada — e, provavelmente, com a boca ardendo de pimenta, aliviada pela gostosa cachaça de jambu, sem metanol. Façam a garrafa do Presidente, na hora, para evitar problemas. Inventaram que ele adora.

Agora, com a COP30, os hotéis foram ampliados, as pousadas se reinventaram, e até os botecos do bairro têm wi-fi, cardápio bilíngue e QR Code pra pagamento com moedas verdes. O paraense descobriu que turismo sustentável dá lucro, e que bioeconomia é só o novo nome para o que o caboclo já fazia há séculos: tirar sustento da natureza sem destruí-la.

Belém aprendeu a falar a língua do mundo — mas continua pensando e sonhando em amazônico.

A logística é a mesma: milhões de pessoas, um só coração. O Círio de Nazaré é a prova viva de que o povo de Belém sabe organizar o impossível — e ainda sorrir no final.

Enquanto os líderes globais discutem as metas de carbono e as cláusulas de Glasgow, o povo paraense ensina algo mais valioso: como viver sorrindo, trabalhando em comunidade, com respeito e solidariedade.

O Brasil já teve seu centro em Brasília, seu poder no Sudeste e seu dinheiro no Sul. Agora chegou a hora do Norte mandar o recado: é daqui que se decide o futuro.

Belém mostrará ao mundo que desenvolvimento e floresta podem andar de mãos dadas — ou melhor, de remadas sincronizadas. O que o mundo chama de “economia verde”, o paraense chama de “modo de vida”.

O Teatro ficou pronto e o Presidente Trump não poderia ficar de fora. Entrará pelas DOCAS, no seu Porta-aviões predileto, o Gerald Ford, que estava passeando pelo Caribe. Em vez de soldados, poderá trazer equipes médicas para atender ribeirinhos e quem receberá as crianças serão: Tio Patinhas, Pato Donald, Michey, Pateta, Huguinho, Zezinho e Luizinho. Deixaram os Irmãos Metralha em New York para eles não criarem problemas. O nosso presidente, após umas duas rodadas de pato no tucupi, catando os ossos para o Trump, baterá na barriga do americano e dirá: Vais ser o show da festa? Se vais, declara logo!

O Lourão pegou o microfone e declarou para o mundo:

– Aqui está a ANISTIA assinada pelo Luizinho, para os brasileiros e a partir de agora, para o meu Brasil é Tarifa Zero!

Depois disso e quando a COP30, finalmente acabar, as câmeras desaparecerão, os discursos vão esfriar, mas a cidade ficará. E o legado — esse sim — será duradouro: ruas novas, consciência nova e autoestima renovada.

Belém deixará de ser “Porta da Amazônia” e passará a ser a sala de estar do planeta.

E quando o último diplomata embarcar de volta, e o último repórter desligar a câmera, Nossa Senhora de Nazaré ainda estará ali, no alto da Basílica, olhando com ternura, para a cidade e para o povo, que ousou acreditar.

Belém terá mostrado ao mundo que fé e sustentabilidade são parentes próximos, e que o maior milagre não é transformar água em vinho — é transformar esperança em ação.

Que venham os líderes, os ambientalistas e os curiosos. Belém do Brasil e do Pará está pronta, de corpo e alma. E como diz o paraense:

“Se Deus é brasileiro, Nossa Senhora é paraense — e a COP30, meus amigos, é o novo milagre de Nazaré.”

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*Economista amazonense.

 
 
 

01. Onde há pensamento, no sentido dialético e ontológico do

conceito, há filosofia. A filosofia da práxis reconhece que a origem e o

devir do pensamento têm por fundamento um movimento dialético que se

inicia na prática, vai desta ao pensamento e resulta num patamar superior

da prática, sempre mais qualificada porque carregada de pensamento. Sob

esse movimento dialético é que se pode concluir que não existe nada mais

prático do que a teoria (pensamento). Mais do que reaprender a ver o

mundo, como quer a fenomenologia de Merleau-Ponty, a verdadeira

filosofia é transformar o mundo. Revolucionar o mundo. É esse o sentido

revolucionário do conceito de pensamento. Com Lênin, o mais militante

entre os teóricos da filosofia da práxis, temos o reconhecimento dialético

de que sem teoria (razão, pensamento) revolucionária não há prática

revolucionária.

02. A filosofia perde sua razão dialética de ser quando se distancia

ou se aparta da objetivação teórico-prática dos conceitos de razão e

revolução e da necessária implicação dialética entre ambos. Vem de Hegel

e Marx a tese dessa implicação dialética. Bem a propósito dessa tese,

Razão e Revolução é o título de um denso livro de Marcuse, cujo subtítulo

é Hegel e o Advento da Teoria Social. Revolução pensada como um

imperativo ontológico da razão. Igual implicação dialética há entre filosofia

e democracia que, segundo Habermas (mesmo com dificuldade de ver o

mundo com os olhos do materialismo histórico e dialético), têm uma

origem comum e uma não existe sem a outra. Mesmo que o olho, como

afirma Goethe, deva sua existência à luz, é necessário ao espírito discernir

que a estupidez também se apresenta sob disfarce de luz.

03. Esse princípio dialético fundamental da filosofia da práxis, de

que a revolução é da essência mesma da razão, é uma exigência que

decorre do devir e da objetivação do ser humano como ser social. Apartada

de seu fim, que é a revolução, a razão se converte em mediação

instrumental: forma deformada a que o sistema do capital reduziu a

conformou a faculdade racional. Com Kant, Hegel, e tanto mais com Marx,

ratificada pela Teoria Crítica, e com as devidas distinções da base de

compreensão de cada uma dessas vertentes teóricas, a revolução impõe-se

como imperativo ético e político da razão. Ser racional em sentido próprio

é ser revolucionário. E é sob a filosofia do materialismo histórico e

dialético que a equação razão-revolução vai encontrar sua objetivação

superior. Minada e prisioneira da razão instrumental capitalista, a razão é

expropriada de sua teleologia revolucionária.

04. O que mais cabe a quem pensa é pensar contra o pensamento.

Não pensa quem não pensa por si. Não é tarefa fácil discernir, no ato de

pensar, se de fato pensamos ou estão pensando por nós. A filosofia passa

pelo caminho da recusa. E deve converter a resposta feita em pergunta que

desconcerta. O mundo do ser social é habitado e assaltado por muitas

respostas. Em muitos casos, respostas estúpidas, porque carentes de

pergunta. Aderir a respostas convencionais e não raro estúpidas é próprio

de quem se recusa a perguntar ou duvidar. É preciso recuperar a filosofia

perguntante da criança. A bem ou maldizer, quando diminui a atitude de

duvidar, quando pouco se pergunta, aumenta o coeficiente de respostas

estúpidas. Faz má filosofia e mal ao pensamento filosófico quem subestima

o poder da estupidez. Uma cognição tragada pela estupidez dificilmente se

deixa tocar pelo pensamento filosófico.

05. Filosofia, em seu sentido verdadeiro, amplo e necessário, não

é apanágio de formação especializada e institucionalmente regulada. Em

sentido gramsciano, todo ser humano é filósofo. Há e se produz filosofia

por fora da regulação e da ordem. Uma filosofia regulada seria uma

contraditio in verbis. Filosofia combina com democratização da formação,

o que implica o acesso às mediações necessárias para o desenvolvimento

do pensar. A filosofia, assim, pode ser tomada por um tipo de medida

epistêmica e política da densidade da vida democrática, o que jamais seria

possível na democracia burguesa, um conceito em si mesmo antinômico,

haja vista que em sua literalidade o conceito indica o poder do povo e não

da burguesia. Desde as conquistas do iluminismo temos por certo que

impedir o progresso do pensamento, essa determinação original da nossa

espécie, segundo Kant, é um crime contra a natureza humana.

06. Quem se dedica à filosofia em seu sentido socrático, livre e

não acadêmico, imune às medidas do produtivismo vazio, doente e

adoecedor, que hoje nas universidades alarga o espaço de um tipo refinado

de delinquência (a delinquência acadêmica, conforme o saudoso e irredento

Tragtenberg), não se submete jamais à lattescracia, síndrome que só

desmerece e avilta o nome do grande físico (e filósofo) brasileiro César

Lattes. Democrata e inimigo da ditadura, Lattes chegou a batizar seu

cachorro com o nome de Costa e Silva, o segundo presidente da ditadura

empresarial-militar instalada com o golpe de 1964. Em minha condição de

teólogo heterodoxo e sem cátedra, considero esta a única “injustiça”

(canina) cometida por esse grande e impenitente físico, injustiçado e tão

pouco conhecido, sobretudo no mundo do saber acadêmico. César Lattes,

Presente!

07. Vem de Nietzsche uma pertinente e instigante definição de

quem se dedica à filosofia: um tipo de médico da civilização, alguém que

de forma lídima, livre e epicurista, indica e vive a filosofia como um

caminho para a saúde da alma. Marx, que não era formado em filosofia e

nunca foi docente no sentido acadêmico, escreveu seu trabalho de

conclusão de curso (o TCC de hoje) sob genial inspiração do filósofo

materialista Epicuro. Um TCC, se possível fosse comparar, que deixaria em

vergonha boa parte de teses doutorais, pomposamente defendidas em

nossas academias. O aumento do número de letrados, como escreve Milton

Santos, não redunda em aumento do número de intelectuais. Potencializada

pelas tecnologias digitais, a produção da ignorância e da desinformação se

configura hoje como a mercadoria com maior retorno financeiro e

ideológico do mundo capitalista.

08. A quem pensa a filosofia de forma altaneira e livre dos

fechados aposentos dos especialistas (muitos acometidos de corcundas,

para citar Nietzsche – um capacitista avant la lettre? – ao escrever que todo

especialista tem a sua), sempre abre e jamais fecha ou dificulta o caminho

do pensamento, sobretudo em tempos de apologia da estupidez e de razão

carente de pensamento. Sem filosofia torna-se mais penoso o trabalho de

subtrair à estupidez a sua boa consciência, como escreve Nietzsche.

Permanece oportuno o desafio proposto por Heidegger de que à filosofia

(como sabedoria) cabe ser um tipo de guarda da ratio (razão).

Heideggeriano não sou, mas há verdade nessa indicação do autor de Ser e

Tempo. E para muito espanto, ainda afirmou: a ciência não pensa. Guardar

e cuidar da ratio é afirmar, como práxis, a exigência de revolução contida

no conceito, coisa que nunca esteve no horizonte do renomado pensador do

ser.

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*Professor de Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Amazonas, teólogo heterodoxo e sem cátedra, segundo vice-presidente da ADUA- Seção Sindical e filho do cruzamento dos rios Solimões (em Manacapuru – AM) e Jaguaribe (em Jaguaruana – CE). Em Manaus, AM, novembro de 2025.

 
 
 

É verdade, cheguei aos 60 anos. Não me pergunte como vivi tanto, mas posso te dizer o que vivi.

Corri, brinquei, briguei, amei, e antes de chegar a fazer besteira, me conscientizei. Mesmo assim, errei.

Errei e continuo errando. Para alguns, é erro, para outros, é resistência em aceitar o que é imposto. Para mim, é a procura de acertar, sempre coletivamente.

Vivi a fome, a exclusão, a indiferença. Nada me fez ruim. Mas já fiz maldade. Só que elas foram tão pequenas. No entanto, me incomodam.

Cheguei aos 60 tendo os melhores amigos que alguém pode ter. Tenho duas filhas que me orgulham. Tenho uma companheira que me faz conjugar o verbo amar todos os dias.

Cheguei aos 60 anos sem recalques. Apenas uns traumas que me tornam humano. Me acomodo nessa convivência.

Muito obrigado, amigos, amigas, filhas, meu amor. Não vou desistir de ser o homem que pensei em ser.

 
 
 
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