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Thiago Gomide


 

Caso você esteja buscando iniciar uma guerra civil, experimente provocar um paraense dizendo que o verdadeiro açaí está no Rio de Janeiro. “Nada melhor que bater com granola, banana e leite condensado”, insinue. Aviso: nem as erveiras do Ver-o-Peso, cartão-postal de Belém, irão tirar o péssimo olhado que receberá. Guardiões do fruto delicioso que se tornou febre nas areias e lanchonetes cariocas, o açaí no Norte se come com peixe e farinha e é salgado. Para quem tiver curiosidade de experimentar, sugiro a loja Tacacá do Norte, no Flamengo. Os paraenses sempre foram importantes para a construção cultural, política e simbólica do Rio de Janeiro — e trato especificamente sobre o Rio para não fugir do espaço da coluna. Andando pela cidade, encontramos diversas heranças ou até mesmo saberes contemporâneos de um povo que está em constante reinvenção. Enfrentam desafios, como todo o país, mas seguem propondo e ousando. Vítimas de um enorme preconceito por causa da organização da COP 30, o Pará merece consideração e respeito. Ele está no nosso dia a dia e não é nada complicado perceber.

Jiu-jítsu tem as digitais do Pará

Em 1915, o imigrante japonês Mitsuyo Maeda, conhecido como Conde Koma e mestre da Kodokan, se apresentou na capital paraense, onde demonstrou técnicas de projeção e finalização que impressionaram o público. Com 1,64m e 68kg, Maeda percorreu o mundo desafiando lutadores maiores e exibindo um estilo de combate que priorizava levar o oponente ao chão. Entre os espectadores estava o jovem Carlos Gracie, de família de ascendência escocesa, que se tornaria seu discípulo pelos quatro anos seguintes. A relação entre os dois deu origem ao desenvolvimento do jiu-jítsu brasileiro. Carlos, acompanhado do irmão Hélio, levou os ensinamentos de Maeda para o Rio, onde o estilo foi aprimorado e ganhou identidade própria, tornando-se o que conhecemos bem.

Assembleia de Deus nasceu em Belém 

A Assembleia de Deus, hoje a maior denominação evangélica do país, nasceu na capital paraense em 1911. Fundada pelos missionários suecos Daniel Berg e Gunnar Vingren, a igreja surgiu a partir de uma trajetória que seus seguidores consideram milagrosa. Segundo relatos históricos, Vingren teria sonhado com a palavra “Pará” e interpretado o episódio como um chamado divino para evangelizar no Brasil. Movido pela convicção religiosa, ele viajou ao estado acompanhado do amigo Daniel Berg. Os dois desembarcaram em Belém com poucos recursos e iniciaram os primeiros cultos em uma casa simples, voltados para trabalhadores e famílias humildes. Ali, apresentaram a doutrina do batismo no Espírito Santo e dos dons espirituais. A mensagem rapidamente se espalhou por becos, praças e bairros da cidade, gerando tanto entusiasmo quanto resistência. As primeiras conversões e batismos ocorreram ainda em Belém, impulsionando a expansão do movimento pelo interior do Pará, depois pelo Maranhão e, em seguida, por todo o país.

A lenda do açaí

A lenda que remonta o motivo do nome do açaí conta que, para conter a fome, o cacique de uma aldeia teria determinado que toda criança nascida acima do limite estabelecido pela comunidade seria sacrificada. Quando a filha do líder deu à luz uma menina, ela própria foi obrigada a entregar o bebê, causando profundo sofrimento. Todas as noites, Íaça chorava e pedia aos espíritos da floresta uma solução para salvar o seu povo. Em certa madrugada, a jovem teria ouvido o choro da filha e seguido o som até uma região isolada. Lá, viu a criança sorridente, com os braços abertos. Ao tentar abraçá-la, a visão desapareceu. Íaça foi encontrada morta ao pé de uma árvore, que estava carregada de frutos escuros. O cacique interpretou o episódio como um sinal divino. Daquela árvore, decidiu extrair um novo alimento para a aldeia. O fruto, amassado, tornou-se fonte de nutrição e recebeu o nome de açaí, apresentado como anagrama de Íaça, em referência à jovem indígena.

Por fim

Escrevi tanto do Pará que me lembrei do vizinho Acre. Bairristas até não poderem mais, os acreanos se reúnem todo 6 de agosto, dia da Revolução Acreana, para comemorar o estado. Uma das mais importantes lideranças é Silene Farias. A turma canta o hino e tudo. O Tratado de Petrópolis, que selou parte da compra do hoje Estado do Acre pelo Brasil, foi assinado em... Petrópolis, mas aí é assunto para outra coluna.

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*O Globo, 14-11-2025.

 
 
 

Por Marcelo Botelho


Há algo profundamente revelador na maneira como parte da imprensa brasileira insiste em tratar a COP30 em Belém: não é crítica, é ressentimento travestido de jornalismo. Em vez de analisar o impacto geopolítico de sediar a maior conferência climática do planeta na Amazônia — justamente no lugar onde o futuro do clima global será decidido — preferem vasculhar caricaturas antigas, reforçar estereótipos e transformar dificuldades estruturais em munição para desqualificar o Pará.

É o velho vício de sempre: quando a Amazônia se ergue, alguns tentam trazê-la de volta ao chão.

Sim, Belém tem desafios. Todos sabem. E não há um paraense que os negue. Mas é curioso observar como os mesmos veículos que apontam o “fedor da pedra do peixe” no Ver-o-Peso silenciam sobre o colapso crônico do sistema de transportes em São Paulo, a violência epidêmica do Rio de Janeiro ou a miséria que se avoluma nas calçadas de Brasília. Quando o problema é no Sudeste, a narrativa é “complexidade urbana”; quando é no Norte, vira “incapacidade”.

Ora, isso não é crítica: é hierarquização geográfica.

E por trás dessa hierarquia, esconde-se um incômodo maior: ver a Amazônia ocupar o centro do mundo.

A COP30 trouxe chefes de Estado, diplomatas, cientistas, empresas globais, investidores e organizações internacionais. Trouxe obras estruturantes que há décadas Belém esperava. Trouxe visibilidade e responsabilidade. Trouxe um legado que não termina quando as delegações forem embora — permanece em infraestrutura, turismo, mobilidade, saneamento, economia e, sobretudo, autoestima.

Porém, em vez de enxergar esse momento como uma oportunidade brasileira, parte da imprensa preferiu transformar o Ver-o-Peso em metáfora da inferioridade amazônica; usar pessoas em situação de rua como ferramenta retórica; ridicularizar o calor amazônico, como se ondas de 40°C não assolassem o Sudeste; debochar das chuvas diárias, como se enchentes não fossem rotina em São Paulo; e, mais recentemente, transformar Outeiro em símbolo do atraso, ignorando deliberadamente o óbvio: trata-se de uma área historicamente negligenciada que, pela primeira vez em décadas, recebe atenção, investimentos e um redesenho urbano que mudará sua história.

Os transatlânticos MSC Seaview e Costa Diadema atracados no porto internacional da Sotave não são improviso — são símbolo de transformação. São o marco inicial de um novo eixo turístico e econômico. Outeiro está se tornando porta de entrada de navios internacionais, e isso não apenas reposiciona a ilha: projeta um novo futuro para toda a orla de Icoaraci e do próprio distrito, que ganha mobilidade, serviços, revitalização e oportunidades reais.

Mas isso, claro, não vira manchete.

Porque para certos setores da mídia, o Pará só pode aparecer sob a lente da precariedade. O progresso incomoda quem aprendeu a enxergar o Brasil de costas para a Amazônia.

Belém não precisa ser perfeita. Nenhuma sede de COP foi. Mas Belém é necessária. E por isso está onde está: no centro do debate global sobre clima, justiça ambiental, povos tradicionais, Amazônia urbana e desafios reais — não fantasmas editoriais.

A imprensa pode — e deve — apontar falhas, cobrar melhorias, comparar modelos, expor erros. Mas quando deixa de oferecer caminhos, perder o interesse em entender contextos e passa a usar dificuldades como instrumento de humilhação, deixa de ser crítica e vira ataque.

A COP30 não é um prêmio para Belém: é uma responsabilidade. E Belém está honrando essa responsabilidade com trabalho, obras, logística, articulação diplomática e abertura ao mundo.

Que parte da imprensa ainda não aceite isso? Problema dela. O Brasil que pensa o futuro já entendeu: a Amazônia não é periferia — é centro estratégico do planeta.

E Belém, queira ou não quem resiste ao Norte, está mostrando isso ao mundo.

 
 
 

Washington Melo Neto*


O penhor de escravos é um tema relevante para a compreensão das práticas econômicas e sociais do Brasil durante os períodos colonial e imperial. Essa prática envolvia a utilização de escravos como garantia em transações financeiras, refletindo tanto a lógica de mercado da época quanto a percepção dos direitos dos indivíduos escravizados.

1. Contexto Histórico

  • Sistema Colonial: Durante o período colonial, a economia brasileira era amplamente dependente da agricultura, especialmente da cana-de-açúcar e do café, que utilizavam mão de obra escrava. A posse de escravos era um símbolo de status e riqueza.

  • Legislação: Diversas leis regulavam a escravidão e o comércio de escravos, permitindo que

    fossem considerados bens móveis. O Código Civil de 1916, por exemplo, abordou a questão da propriedade, mas a escravidão só foi oficialmente abolida em 1888.

2. Aspectos Legais do Penhor

  • Registro no Cartório de Imóveis: O registro de imóveis era essencial para formalizar o penhor. Quando um proprietário se endividava, podia oferecer um ou mais escravos como garantia. O registro assegurava que o credor tinha prioridade sobre outros potenciais devedores.

  • Natureza Jurídica: O penhor de escravos era tratado como um direito real, onde o credor tinha a posse do escravo até a quitação da dívida. Esta prática não apenas desumanizava os escravos, mas também criava um ambiente de insegurança e instabilidade para os mesmos.

3. Consequências Sociais e Econômicas

  • Impacto na Economia: O penhor de escravos possibilitou o acesso ao crédito e fomentou a atividade econômica, mas também perpetuou a exploração. Os proprietários de escravos podiam aumentar seu poder econômico por meio do endividamento.

  • Desigualdade e Exploração: A prática intensificou a desigualdade social, consolidando a hierarquia de classes e a visão de que os escravizados eram meros instrumentos financeiros. Isso teve repercussões profundas na estrutura social brasileira, influenciando relações de poder e a cultura.

4. Reflexões Contemporâneas

  • Memória Histórica: A discussão sobre o penhor de escravos é relevante para entender as raízes da desigualdade racial e social no Brasil contemporâneo. Reconhecer essa parte da história é essencial para a construção de uma sociedade mais justa.

  • Legado Cultural: O impacto da escravidão e do penhor de escravos pode ser visto nas dinâmicas sociais atuais, incluindo questões de racismo estrutural e desigualdade econômica.

 

Conclusão

O penhor de escravos no registro de imóveis é uma prática que exemplifica a intersecção entre direito, economia e moralidade durante o Brasil colonial e imperial. Essa prática não apenas refletiu a desumanização dos indivíduos escravizados, mas também moldou a dinâmica econômica e social do país, cujos efeitos ainda são sentidos hoje.

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*Es

 

 
 
 
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