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Baldados os esforços de algumas das unidades federativas com PIB mais alto, a COP30 será realizada em Belém. Uma das capitais mais ricas do País, junto com Manaus, no início do século XX, a capital paraense firmou-se como o palco da mais importante de todas as reuniões internacionais desta época. Quase disse, nas primeiras linhas, que estados brasileiros mais ricos desejavam levar para longe da Amazônia a inauguração de uma nova fase, no tratamento dos problemas ambientais. Cometeria imperdoável erro, eis que a Amazônia - no Brasil e no pedaço sul do continente - é onde se concentra a maior parte dos recursos naturais do Planeta. Além dos potenciais hídricos e minerais, existentes em quase todas as nações amazônicas, a maior floresta tropical exerce enorme influência no clima da Terra. Ou seja, a forma de exploração a que se tem submetido esse enorme território, além de ampliar as desigualdades econômicas, põe em risco o próprio equilíbrio de Gaia. Aqui, onde a pata do boi, a instalação de grandes hidrelétricas e a exploração mineral engordaram a fortuna de grupos privados, em detrimento do bem-estar da população, é onde também pode ser marcado o ponto de inflexão. O principal deles, recentemente apontado pelo Presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID, a necessidade da participação financeira do setor privado, na preservação dos recursos naturais e na proteção das populações. Em síntese, uma necessidade apontada com base no que poderemos considerar, também, como uma confissão: a de que o atual sistema de apropriação da riqueza não pode mais ser mantido. Em outras palavras, o que se recomenda como justiça fiscal, consistente em dar aos que mais precisam, segundo suas necessidades; exigir dos que têm, segundo sua capacidade. O resto é produzir riqueza, para aumentar a pobreza.

 
 
 

Interessantes, além de oportunas, as observações feitas pelo engenheiro industrial Samuel Hanan ao jornalista Wilson Nogueira, em setembro deste ano. O ex-vice-governador do Amazonas referiu-se, especificamente, às vantagens de constar de nosso vasto território uma riqueza cada dia mais necessária ao processo industrial. Falou o autor de vários livros sobre a Economia, sobretudo das terras raras, de que o Brasil ainda constitui uma expressiva reserva. Com a autoridade de quem estuda os problemas econômicos da Região e junta a isso o fato de ter presidido o grupo Paranapanema, que explorou minas de cassiterita na área do Pitinga, próxima de Manaus, Hanan chamou a atenção para a necessidade de desenvolvermos tecnologia apta à agregação de valor ao minérios estratégicos contidos em nosso subsolo, inclusive no do Amazonas, sua terra de nascimento. Na entrevista concedida a Nogueira, o estudioso destacou quanto o fato de termos abundantes fontes de recursos hídricos e minerais pode levar o País a outro patamar de desenvolvimento. Assim, criar tecnologia capaz de evitar a exportação de matéria-prima, para depois adquirir produtos acabados seria a solução mais inteligente. Até - e aí sua experiência na área geográfica e no setor econômico o autoriza a dizer - porque isso evitaria repetir o que acontece com as trocas internacionais de minerais, meras commodities que deixam melhor resultado econômico nos países que importam de nós muitos desses materiais. Vai mais longe Samuel Hanan, quando afirma quanto ganharia o Brasil, se os recursos hídricos e as reservas de nossas jazidas minerais fossem destinadas, a custo zero, para os setores industrial e agrícola. Dada sua posição diante do problema, é fácil admitir que ele também advogaria a extensão de tal benefício a toda a população das áreas em que tais recursos se mostram abundantes. É certo que isso contrariaria os interesses dos que exploram esses mesmos recursos, mas seriam, por extraordinários, quase incalculáveis os benefícios destinados à coletividade. Num certo sentido, alterariam o conceito e o uso da tecnologia, posta a serviço de todos. Um drástico golpe na desigualdade.

 
 
 

Várias exclamações constam dos depoimentos sobre a capital federal. Do fato de ser mostrada como uma obra de arte de autoria compartilhada entre Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, muito se tem falado e escrito. Sempre concluindo o período com uma exclamação. Lá, a despeito da mesquinha umidade que arrebenta narinas, existe um azul que parece propriedade exclusiva do planalto central. Do horizonte amplo, a espalhar-se à frente do observador e levá-lo aos sonhos inspirados no próprio criador da cidade – JK – também muitos registros são encontrados. Mesmo a inexistência das esquinas é deslembrada, porque o tráfego de veículos tem sua eventual letalidade compensada pelo sistema viário, às vezes confundindo o neófito na cidade. Leio agora, porém, a possibilidade de que as condições que colocam Brasília com o mais alto nível de bem-estar de todo o País estejam às vésperas de ser rebaixadas. Chega a três a média de mortes de motociclistas, apesar da organização do sistema viário de lá. Por contraste, busco compreender por que é assim. No cotidiano de Manaus, onde vivo há quase 60 anos, não sei de algum número relacionado àquela forma de seres humanos matarem e serem mortos. É na capital amazonense que se concentra o grosso da produção de veículos de duas rodas, saindo na frente as motocicletas, que meu (raro) mau humor chama passaporte para a morte. Também nunca li ou vi gráficos e quadros tão ao gosto de certo tipo de analista, que nos revelassem qual o montante de dinheiro entregue pelos contribuintes (os que pagam impostos, lembre-se sempre), para gerar a euforia e as comemorações pelo atingimento de metas cada dia mais ambiciosas na produção dos veículos-matadores. Muito menos, quanto custa aos cofres públicos oferecer os serviços de atendimento de urgência e os que vêm em seguida, sempre que há um acidente envolvendo motociclistas, seus passageiros e quem nada tem a ver, com o veículo acidentado e o acidente registrado. Impossível esquecer quantas famílias são privadas da companhia de membros sacrificados nas ruas, além daquelas que acumulam a incapacidade de trabalhar de algum de seus parentes, vitimados em acidentes nas ruas. Esqueço, propositalmente até, que essa mortalidade conta com a ajuda do poder público, mola que faz maior a cada dia a produção desses passaportes para a morte.

 

 
 
 
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