Ontem, não tão ontem assim, o Chefe do Poder Executivo federal alegava não ser coveiro. Morressem quantos morressem, porque a covid-19 o determinava, cumpria-se apenas uma lei natural. Afinal de contas, dizia o monstro, todos um dia morreremos. Chegada a vacina reivindicada pela comunidade científica, quem sabe a omissão na prestação de serviços de saúde pelo menos reduziria a assistência devida à população? Para ajudar a natureza, na tarefa de chegar ao número desejado -anunciado e prometido - de 30.000 mortos, a falta de oxigênio talvez bastasse. Não bastou. Produzir mentiras e divulga-las talvez fosse de alguma serventia. Mesmo se o número de mortos chegasse perto de um milhão. O ontem, porém, não se eterniza. Quando recidiva, as sociedades aprenderam com a experiência e não se deixam mais enganar. Sobretudo, se a conduta dos responsáveis pela administração pública deixa clara a diferença de propósitos e de sentimentos, em relação aos que a antecederam. Desde que a população do Rio Grande do Sul viu mergulharem nas águas do Guaíba suas necessidades, aspirações e sonhos, ela tem contado com as atenções que só seres efetivamente humanos sabem e podem oferecer. Se os irmãos de todas as demais regiões do País têm levado sua solidariedade e sua ajuda aos flagelados pelas águas, semelhantes, oportunas e decisivas têm sido as práticas das diversas agências governamentais que operam em nome da União. Mal se iniciaram as ações do que o triPresidente Lula anunciou como reconstrução e reconciliação, viram-se os habitantes do Rio Grande do Sul açoitados pelas forças da natureza. Sem abandonar os propósitos anunciados, o governo federal dá provas de que, não sendo coveiro nem bombeiro, dele pode ser cobrado o tratamento digno a todos os brasileiros. Vivam onde viverem. Pertençam ao partido A ou ao partido B. Tenham votado neste ou naquele candidato. Dignidade que distingue os seres realmente humanos dos outros. A comparação reafirma seu papel, como instrumento do aprendizado.
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Professor Seráfico - há 7 dias
- 2 min de leitura
É experiência anual dos ribeirinhos da Amazônia a ocorrência de grandes enchentes. Com o vigor e a abundância que caracterizam a natureza da Região. Em 1971, a um grupo de técnicos da então promissora Comissão de Desenvolvimento Econômico do Amazonas - CODEAMA foi solicitada a elaboração de um plano de redução das perdas decorrentes do fenômeno. Sendo uma força maior, nem por isso as enchentes são imprevisíveis. Ao contrário, o caboclo amazônico espera-o todo ano. Mesmo sem saber qual o volume de águas que cobrirão até altas árvores em largo espaço do território, os próprios moradores tomam as providências ao seu alcance. Uma delas, a construção do que é chamado maromba - a elevação do piso de seus barracos, para pô-lo acima do nível das águas. Como isso apenas reduz o risco da morte de pessoas por afogamento e a perda de móveis e outros objetos de uso doméstico, ao Estado cabe prestar outros serviços, sobretudo nas áreas da educação, saúde, segurança e serviços da economia. Disso tratava o documento elaborado pela CODEAMA, sem que se saiba se algum dia suas recomendações foram levadas à prática. Extinta no final da década dos 80, a autarquia do governo amazonense parece não ter deixado rastro. As enchentes, porém, assinam ponto todo ano. A única coisa certa, antes de o carnaval mergulhar todos nas águas fartas de Momo. Aqui, como no Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Acre e quase todos os outros estados, a natureza tem sempre cúmplices supostamente humanos, em sua ação destruidora. Antes, durante e depois de cada tragédia. Ainda mais, em caráter permanente, sem sazonalidade. O homem, não obstante seu conteúdo natural, fazendo-se indignos da natureza.
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Professor Seráfico - 9 de mai.
- 4 min de leitura
Repórter - Dizem que o senhor é de esquerda. É verdade, professor?
O jovem repórter mal escondia o tremor das mãos, os olhos fixos na boca do entrevistado. Dela viria, esperava ele, uma resposta convincente. Aquela que desfaria todas as suas dúvidas de jovem exposto ao tsunami de informações que a internet faz desabar sobre todos. A resposta, posterior ao olhar compungido do interrogado, foi a mais lacônica possível:
Professor - Sim. Sou de esquerda.
R - Como ser de esquerda, professor, quando até a Rússia já não o é?
A expressão correta não escondeu a surpresa do interrogador. Gerou apenas interesse maior no repórter. Não foi desta vez, porém, que diminuiu nele a perplexidade.
P - Não só a Rússia deixou de ser socialista. A China está aí, a mostrar o mesmo.
Fosse mais velho, talvez o jornalista desabaria. Suas pernas, a essa altura, bambeavam. As mãos mantinham a sofreguidão inicial. Sua curiosidade se mostrou maior.
R - É possível ser de esquerda em pleno século XXI, professor? Quando a URSS já não existe e o muro de Berlim veio a baixo?
O entrevistador abriu, com sua pergunta, a oportunidade para a troca de papéis. Ele permitiu - poderia até dizer-se autorizou - a inversão da situação de ambos. Agora, foi o professor quem perguntou:
P - Você sabe o que quer dizer URSS? E de onde vêm a divisão e os conceitos de esquerda e direita?
R - Confesso, professor que não sei dizer o que cada uma das letras dessa sigla representa, mas estou certo de que era um grupo de países liderados pela Rússia. Quanto à direita e a esquerda, sei que antes da queda do muro a URSS representava a esquerda e os outros países eram da direita. Não é isso?
P - É e não é.
Foi a resposta seca recebida pelo entrevistador.
R - Não entendi. Por que é e não é, mestre?
P - É, porque a - tente gravar em sua memória! - União das Repúblicas Socialistas Soviéticas reunia países de alguma forma, ainda que limitada, obedientes às ideias de Marx, Engels e Lênin. Aqui e acolá, umas poucas nações tornaram-se, como se dizia à época, satélites da URSS. A grande maioria dos estados do Ocidente tinha os Estados Unidos da América do Norte como o sol em torno do qual girava. O Brasil desde sempre. O que, a rigor, não era novidade. Como puta de lupanar, dividimos a cama com Portugal e Inglaterra, embora resistentes ao assédio de franceses e holandeses.
Sim, professor, mas o que tem isso a ver com a esquerda e a direita?
Nada, e tudo, ao mesmo tempo. A história não se faz em saltos, meu caro. O presente é resultado de muitos ontens; o futuro é construído todo o tempo, mesmo neste momento em que estamos aqui conversando. Você algum dia ouviu falar da Revolução Francesa?
Mais uma vez os papéis de um e outro foram invertidos.
R - Sim, ainda me lembro que o professor de História falava muito de um tal de Robespierre. Mas havia outros, como o Marat, o Diderot, o Desmoulins, o Roger de L' isle. Não é verdade, professor?
P - Que esses aí existiram, parece não haver dúvida. Qual o papel de cada um na Revolução Francesa é outra coisa. E como a História andou, após esse fato, determina a nomenclatura que se usa para classificar alguém no espectro esquerda -direita.
R - Não entendi, professor. Pode esclarecer esse ponto?
P - Pois é, meu caro. Ia a meio a crise, o rei Luis XIV, de cuja mulher você talvez tenha ouvido falar mais que dele mesmo, resolveu convocar os Estados Gerais - o coletivo composto por nobreza, clero e representantes do povo francês. Ao longo dos trabalhos desse coletivo, verificou-se a posição geográfica de cada grupo, em relação à mesa que dirigia os trabalhos. A posição assumida por esses grupos na discussão dos temas e problemas propostos então, permitiu denominar esquerda e direita. Estes, em geral, acompanhando as palavras de ordem e apoiando os poderosos - corte e clero; os outros, opondo-se ao poder.
R - Quer dizer, professor, que sempre os de esquerda opõem-se ao poder?
P - Não, se o poder é exercido pela esquerda. Mas isso não é tão simples assim.
R - Como, professor?
P - Até agora, falamos da Revolução de 1789, uma porta que nos fez entrar na que chamamos Idade Contemporânea.
R - E o que isso tem a ver com os conceitos esquerda e direita?
P - Sigamos em frente, sem perder de vista as balizas da estrada! A grande - chamemos assim - descoberta da Revolução Francesa foi a divisão entre os proprietários dos meios de produção, chamados burgueses, e os que só têm de seu a força do trabalho. Patrões e empregados, facilitemos as coisas.
R - Mas isso já não vinha do mercantilismo?
P - Sim, mas a acumulação característica deixou clara a diferença entre o capital e o trabalho. Muito das ideias defendidas pelos revolucionários franceses tinham a ver com esse novo tipo de relação social. A Revolução, no entanto, é que transformou a percepção desse fenômeno e o fez fundamento das novas reivindicações.
R - Já sei aonde o senhor quer chegar. Mas não tenho como evitar dizer-lhe que o capital, acumulado, responde por grandes avanços tecnológicos e pela oferta de empregos. Não é assim, professor?
P - É assim, mas não tão assim.
R - Não entendi.
P - Explico, já. Quantas guerras ocorreram, desde 1789 até hoje? Quantos novos estados nacionais surgiram e como resultado de quê, no mesmo período? Quanto se tem produzido? Qual a distribuição da riqueza gerada em razão desses avanços que você oportunamente destacou? Se você vê sentido na globalização e avaliar a desigualdade social que a tem acompanhado, ficará mais perto de entender porque esquerda e direita existem. Fiz-me entender?
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