José Alcimar de Oliveira*
Do nosso divórcio das integrações e interações com a nossa mãe, a Terra, resulta que ela está nos deixando órfãos, não só aos que em diferente graduação são chamados de índios, indígenas ou povos indígenas, mas a todos (Ailton Krenak)
01. É preciso dar mais inutilidade ao tempo, libertar o tempo da prisão do tempo útil, tão funcional e requisitado pela produção capitalista. O que é uma vida tecida e enredada o tempo todo pela aceleração do tempo? Tempo acelerado é tempo? Por que submeter o tempo da vida à lógica de vidas celeradas? Como recuperar a vida do tempo num tempo que se mede pela expropriação continuada do tempo de vida? Por que a medida do tempo deve ser regida pela improdutiva e desumana compressão do tempo?
02. De que serve o tempo quando o seu devir é vivido carente de vida e de subjetivação e converte o sujeito em objeto de contínua reificação? O que é ganhar tempo se o tempo ganho é sempre expropriado ao sujeito e se converte em objeto da rotina sisífica, a expropriar o sujeito do seu usufruto livre? Que significa ter tempo se o tempo que se tem é consumido pela medida heterônoma do trabalho alienado e improdutivo ao sujeito, porque destituído de autonomia?
03. Pode ser chamado de livre o tempo que nada redime porque a tudo imprime um devir compulsivo e culposo? Que referência humana e ontológica há no tempo presidido pelo valor de troca de todas as coisas e refratário ao necessário espaço da formação do sujeito? Como ser possuidor de tempo o sujeito cuja experiência do tempo é delimitada pela unilateralidade material e ideológica que o sistema da produção capitalista impõe ao trabalho?
04. Imagem móvel da eternidade, distensão da alma, espaço da formação humana, conforme Platão, Agostinho e Marx pensavam o tempo, numa rica e contradiscursiva compreensão em nada comensurável à pobre medida da imobilidade do agir e pensar, da compressão da existência e da alienação da classe trabalhadora, condições que bem definem a lógica prevalente do tempo do capital, como restituir ao tempo seu inerente referencial humano, libertário e ontológico?
05. Subtrair ao tempo sua medida formativa, para aqui recorrer ao veredito kantiano de crime contra a natureza humana, tipifica também um crime contra toda a natureza, porque a base que permitiu o desenvolvimento da consciência do ser social é o ser natural, a não ser que o entendimento (ou razão humana) de tão desnaturado e alienado pelo tempo do capital, tenha sido envenenado com a crença de que o regime venal do valor de troca seja sua forma natural de vida.
06. Se para Ailton Krenak a vida não é útil, título de um orgânico manifesto pela natureza, também ao tempo, ao devir livre do tempo, é necessário libertá-lo da jaula ideológica e capitalista da utilidade. O tempo da pressa, do retorno imediato, do resultado para ontem, que se move pela dicotomia entre o ser natural e o ser social, tem como consequência inevitável o colapso ambiental em curso, notadamente para o ser social. A natureza tem e seguirá seu tempo, e independe do tempo do ser social.
07. O tempo do ser natural é isento da patológica e inseparável conjugação entre narcisismo e depressão, carência e excesso. Nenhuma flor se deprime por não ser notada. Nada lhe falta ou lhe é acidental ou excessivo. Nela, tudo, para recorrer a Spinoza, é necessário. Nas palavras de Angelus Silesius, nenhuma rosa nasce para ser vista. É de sua natureza não ser útil. Ela é “sem porquê. Floresce por florir, sem saber se alguém a vê e sem saber de si”.
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*José Alcimar de Oliveira é professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Amazonas, teólogo sem cátedra, base sindical da ADUA – Seção Sindical e filho do cruzamento dos rios Solimões (em Manacapuru – AM) e Jaguaribe (em Jaguaruana – CE). Em Manaus, AM, aos 26 de novembro do ano cinzento de 2023.
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