O prefeito e a muamba
- Professor Seráfico
- 6 de jul.
- 3 min de leitura
Josué Ferreira*
E ali estava eu, desembarcando no minúsculo porto, em meio a um clima tenso, pronto pra ser amassado por três caras ‘macetas’ com jeito de galeroso, que tinham sido enviados pelo prefeito do local para assegurar a minha ida até a sede do Poder Municipal, nem que fosse ‘na marra’, para ter uma ‘conversinha’.
A cidadezinha, cuja distância da capital podia ser definida como ‘longe pra dedéu’, parecia ter sido construída com o mesmo cuidado que uma maquete feita pelas mãos de um curumim do ensino fundamental.
Eu não tinha viajado para a localidade com o intuito de fazer um ‘rolê’, estava ali como um exator da Sefaz-AM.
Mal eu pus os pés em terra firme, e sujeitos se aproximaram sempre me encarando. O que aparentava ser o ‘líder’ deles grunhiu algo indistinto que me pareceu ser um ‘boa tarde’, e ordenou sem mais delongas que eu os acompanhasse.
Sim, eu fazia ideia de quem havia enviado aquele ‘bonde’, mas meu ‘desconfiômetro’ e experiência no serviço público me alertaram que deveria primeiramente dar uma ‘chegadinha’ à delegacia do município para solicitar a uma escolta oficial.
Além do mais, a viagem de barco me deixou com fome, e é natural que nesse estado a minha paciência, que já é pouca, seja igual à de um motorista de ônibus coletivo.
Diante da minha sincera recusa ao ‘convite’ agradável, o cara ficou ‘bolado’ e indisfarçadamente mostrou toda sua insatisfação, deixando clara em poucas palavras toda a sua disposição em cumprir a ordem recebida a qualquer custo.
Para minha sorte, os policiais já estavam ali à minha espera, juntamente com o delegado, que se prontificou a seguir na comitiva.
Quando chegamos ao gabinete do distinto prefeito, ele já estava a minha espera, pronto para devorar meu fígado, se eu sequer caísse na besteira de chamar ele de ‘lindo’.
A presença dos policiais e do delegado em nada garantiu que a autoridade municipal desfiasse para mim uma série de impropérios que fariam até a Dercy Gonçalves corar de vergonha.
“Mas, Josué, como foi que essa história começou?”. – Realmente, esqueci de dizer, mas calma, que eu chego lá!
Fazia um tempo que o tal prefeito vinha sendo observado pelos fiscais da Sefaz-AM, porque resolveu se meter numa ‘parada’ que basicamente se constituía em transporte de muamba.
O negócio, no entanto, ‘deu ruim’, quando foi comprovado que ele não emitia nota fiscal, razão pela qual eu havia sido designado para acompanhar aquela operação.
Ao perceber que a batata dele estava ‘assando’, o prefeito tratou de mandar seus cupinchas para tolher e atrapalhar as ações da Secretaria.
E ali estava eu, ouvindo já sem paciência o rosário de injúrias vociferado pelo prefeito, que incluiu até a imagem da minha saudosa mãe. Foi aí que eu achei que aquilo tudo já tinha ido longe demais.
“É o seguinte, prefeito” – disse eu calmamente, olhando os olhos ensandecidos do prefeito. “Vou lhe dar duas opções: na primeira, o senhor apresenta todas as notas fiscais de compras e vai para sua casa com a sensação de que fez a coisa certa. A segunda alternativa inclui o senhor prestar esclarecimento ao Tribunal de Contas, perder seu mandato e até ser preso. Quanto a mim, em qualquer dessas opções, eu volto para casa com a sensação de dever cumprido. O que o senhor prefere?”.
Ainda naquela mesma tarde, o prefeito abandonou para sempre todas as ações de sonegação fiscal.
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*O autor é economista e aposentado da Secretaria de Estado da Fazenda do Amazonas- SEFAZ.
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