Malu Gaspar se vale de expressão atribuída a Tancredo Neves, para descrever o processo - mais um - que joga nas costas do consumidor brasileiro os custos do suposto fracasso dos irmãos Joesley e Wesley, Batistas que a cada "fracasso" ficam mais ricos. Segundo a jornalista, o Presidente eleito e morto antes da posse dizia impossível haver coincidências na política (Os campeões da coincidência, O Globo, 28-07-2024). Num certo sentido, valida hipótese que não me canso de propalar: governos não erram. Apenas escolhem os beneficiários de suas decisões. Não é esse exercício de compreensão da realidade política, porém, que me interessa agora. Muito menos há a intenção de tratar dos valores envolvidos, como se sabe, sempre contados na casa dos bilhões. Custa-me crer na ignorância dos comentaristas e nas boas intenções do juízo que fazem a respeito das causas de "coincidências", quase sempre atraindo interesses que se pensava divergentes. No caso de mais essa façanha dos irmãos, notabilizados menos pelos resultados produtivos de seus negócios, que pelas suspeitas sempre suscitadas, não faltam outras empresas, nem Medidas Provisórias editadas com endereço certo. Já nem me entrego a considerar o abuso em que se tem constituído a edição de decisões oficiais admissíveis apenas em casos de emergência. Nossa tolerância - a minha, a do que me lê agora e a de tantos outros donos da verdade - é tamanha, que MPs têm servido para toda sorte de "coincidência". Essa, porém, é quase outra particularidade desimportante. Acima dela está o fenômeno que não tem sido sequer arranhado, qualquer a aparência de indignação do comentarista, tenha ele sobrenome de rei mago ou não. Refiro-me à captura do poder público pelos interesses privados, a transformação do Estado naquilo que Marx já denunciava: não menos que o comitê executivo da burguesia. Quando o bolso dos apóstolos da desigualdade sentem o golpe, aí não resta se não procurar o culpado. Quase sempre são poupados aqueles reais beneficiários das decisões, porque esse esquecimento sempre trará melhor resultado para o "indignado" cidadão. O tal cálculo custo-benefício a que se referem com insistência os cultores de um deus chamado mercado. Apenas a reprodução da conduta que lança toda responsabilidade da corrupção supostamente combatida a um dos polos delinquentes - o corrupto passivo. A mesma que pretende punir em dobro a vitima de estupro, para preservar o direito de estuprar aos que fazem disso uma forma de afirmação da própria identidade. Tancredo tinha razão: não há coincidências na política.
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