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Reflexões políticas - 4

Reflexões políticas – 4


Ao animal dito inteligente, homem chamado, coube, cabe e caberá sempre o exercício do arbítrio que se diz livre, tratando-se dele, ser humano. Desde logo, cumpre observar fato singular, que não se registra nas demais espécies da natureza. Enquanto aos animais ditos inferiores não cabe mais que cumprir sua sina original, ao homem é dada a capacidade de recriar-se, reinventar-se, indo muito além do que lhe permitiriam as provisões naturais. Em termos muito elementares e sucintos, o homem não nasce pronto e acabado, se não que constrói sua humanidade ao longo da vida. Disso tratou Hanna Arendt, quando apontou a condição humana. Nesta passagem, é oportuno lembrar Ortega y Gasset e sua máxima, jamais desprezível: o homem é ele e suas circunstâncias. Ou seja, ao homem é deferida a capacidade de construir, ele mesmo, seus próprios caminhos. Para tanto é preciso admitir a impossibilidade de ele portar, desde o nascimento, da essência que alguns atribuem, tendo-o (o homem) como um ser produzido pela divindade. No máximo, a Ciência nos diz que o DNA faz de cada novo ser herdeiro do que é contido nos que juntaram óvulos e espermatozoides de que resulta o bípede dito inteligente. Penso que isso tudo tem muito a ver com Carl Rogers e seu Tornar-se Pessoa.

É no decurso de sua vida que o homem se vai fazendo, preservadas suas potencialidades e mantidas as condições em que ele pode exercer o livre arbítrio de que é dotado. Já não lhe bastam os instintos, e tudo quanto não observa essa particularidade condena-o à simples sobrevivência – e a lei que a rege, presa à cadeia alimentar. É a chamada lei da selva, em que os protagonistas (?) não procedem às trocas inventadas pelo homem, desde o escambo. Lá, os instintos forçam relações características de predadores e suas vítimas. Os fatos se passam sem que os agentes tenham consciência disso e sem a menor probabilidade de fazerem diferente. Não há, portanto, condições de seguir a recomendação de Antônio Machado, o poeta espanhol: o caminhante é que faz o caminho.

Porque dotado de inteligência, porque semelhante a todo ser da natureza, mas também porque dispõe do livre arbítrio e pode fazer escolhas, o animal dito superior inventou a sociedade. Vem a pelo a fábula do grupo de porcos-espinho. Porque precisassem enfrentar o frio extremo, perceberam esses animais (não esqueçamos que é apenas uma fábula) que a única defesa possível seria juntarem-se uns aos outros, o mais próximo que pudessem, a despeito de eventuais ferimentos causados pelos espinhos de uns sobre o corpo dos outros. Melhor assim, se a alternativa seria a morte de todos. Estratégias de sobrevivência, portanto, levaram à criação da sociedade humana, com todas as consequências que isso poderia determinar em sua trajetória coletiva.

Se outros animais são capazes de ter sentimentos, pelo menos ao que se saiba, nenhum deles (os sentimentos) desliga-se do objetivo, seja único ou não – a sobrevivência da espécie. O ser humano, todo dia feito e refeito, diversamente, alimenta – e é alimentado – por interesses, expectativas; sonhos, numa palavra mais abrangente e incontestável. À intenção de perpetuar a espécie é acrescentado o propósito de buscar a utopia, por mais ridículo que isso possa parecer. O sonho é, portanto, traço diferencial entre a espécie humana e as demais espécies existentes na natureza.

A História tem mostrado a probabilidade de quase tudo o que passa pela cabeça do homem ser – um dia – realizado. Até onde a vista alcança, não me consta que essa afirmativa possa afetar as outras espécies animais. É o que pretendemos ver, adiante.

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