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O QUE PODE O BOM SENSO DIANTE DA ESTUPIDEZGLOBALIZADA?

Por favor, alguém que me faça estas contas, dêem-me um número que sirva para medir, só aproximadamente, bem o sei, a estupidez e a maldade humana. (José Saramago).


01. Em rápida visita ao Brasil no dia 16 de março de 2025, na

praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, instigado por Goya a verificar que

o “sono da razão” também se veste de verde e amarelo e 388 anos depois

de ter publicado o seu Discurso do método, Descartes reconsiderou as

palavras de abertura de seu clássico escrito e solicitou aos impressores

considerar a errata: onde se lê “o bom senso é a coisa do mundo melhor

partilhada”, leia-se: “a estupidez, e não o bom senso, é a coisa do mundo

melhor partilhada”.

02. O que pode o bom senso diante da velocidade da estupidez, a

cada dia mais globalizada e a pôr ao rés do chão, pisoteado, o alegado

poder da filosofia, conforme o dito heideggeriano, de estabelecer-se como

“guarda da ratio”? O século XXI, malmente iniciado, já deu sobejas

mostras de que a humanidade já caminha sob o guia automático da

estupidez e, em ritmo de cegueira, segue, como gado para o matadouro,

rumo ao abismo iluminado pelas luzes suicidárias do capital.

03. Não há redenção à vista. José Saramago, uma das mais

iluminadas mentes literárias que passou entre nós, ateu humanista, para

quem “ser comunista ou ser socialista é um estado de espírito”, escreve sem

meias medidas ou concessão à felicidade burguesa: “Qualquer observador

imparcial reconheceria que nenhum deus de outra galáxia teria feito (um

mundo) melhor. Porém, se a olharmos de perto, a humanidade (tu, ele, nós,

vós, eles, eu) é, com perdão da grosseira palavra, uma merda”.

04. Em 2011, Oscar Niemeyer, aos 103 anos de idade, com uma

lucidez a mais acutilante, e igual estado comunista de espírito do mestre

Saramago, desabafou numa entrevista: “Eu acho a vida uma merda, apesar

de seus encantos. Já nascemos condenados a desaparecer”. Tivesse o

Criador levado em conta o testemunho humano, honesto e ateu de seus

filhos Niemeyer e Saramago, expulsos do Paraíso, mais do que arrepender-

se de ter criado a humanidade, teria abortado no nascedouro o Projeto Arca

de Noé.

05. Sem redenção à vista, como apostar na Parusia? Conhecendo

como ninguém a condição humana, sabendo que não há limite para a

estupidez humana, vendo por dentro o mundo hipócrita dos fariseus de seu

tempo e tanto mais a violência estúpida da extrema direita mundial e

brasileira, porque, como relata o evangelista João, não necessitava recorrer

aos esquemas cristalizados pela religião para saber “o que havia no coração

do homem”, que razões teria Jesus de Nazaré para voltar ao inferno de

2025?

06. A humanidade seria bem outra se o ser humano tivesse para o

conhecimento e a sabedoria a mesma disponibilidade que devota à

estupidez e à ignorância.  Como soam atuais as palavras dos Provérbios:

até quando, ó insensatos, amareis a tolice, e os tolos odiarão a sabedoria?

Sob a globalizada gramática do capital, a envenenar corações e mentes com

“a peste emocional da humanidade” (Reich) e uma subjetividade submetida

à heteronomia cognitiva, o que resta ao ser humano senão afundar na

barbárie?

07. A gravidade maior da estupidez promovida pela voracidade do

capital reside, hoje, no primeiro quartel do século XXI, no patente e

irreversível esgotamento da natureza diante do padrão de produção e

consumo insustentável e requerido pela necrocracia do sistema do capital,

com declarado prazo de validade, e jamais admitido pela burguesia

suicidária. Haverá freio para a lógica do lucro acima da vida, para o

colapso ambiental e para a barbárie social, ecocida, promovida pela

burguesia?

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*José Alcimar de Oliveira é professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), onde concluiu e defendeu seu mestrado e doutorado. É também teólogo heterodoxo e sem cátedra, ocupa a segunda vice-presidência da Associação dos Docentes da UFAM (ADUA – Seção Sindical) e é filho orgulhoso do cruzamento dos rios Solimões (em Manacapuru – AM) e Jaguaribe.

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