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O assassínio da democracia

Conheci o período ditatorial de 21 anos, e dele recebi o tratamento dispensado pelos autoritários aos democratas. Por isso, passei 60 dias preso em um estabelecimento militar de Belém (5ª Companhia de Guardas), de abril a junho de 1964. Levou-me até ali a participação ativa no movimento universitário da Universidade do Pará, no curso de Direito. Fato contado em alguns dos meus livros, resumo-o em poucas palavras: era apenas um dos milhares de estudantes brasileiros em luta pelas reformas de base. Fui dos primeiros opositores do regime ditatorial a sofrer agressão física. Um coronel do Exército, arma na mão e proferindo palavrões, invadiu a sede da União Acadêmica Paraense e me esbofeteou. A prisão se deu dias depois. Libertado, tomaram-me dois empregos. No primeiro, eu era Escrevente-datilógrafo, aprovado em concurso da Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia – SPVEA; o outro, copy-desk do diário Jornal do Dia. O jornal dos irmãos Carneiro foi pressionado a me dispensar, sob pena de ser empastelado, esse o termo usado naquela época. Sobrevivi trabalhando em rádio e na advocacia, até transferir-me para Manaus. Enquanto isso, meu advogado recorria à Justiça. Do STM é o acórdão que me excluiu de qualquer responsabilidade, em reconhecimento à legalidade de todos os atos de que me acusavam os pássaros voejantes nas asas da maldade e do ódio à democracia. No documento, as assinaturas de Ernesto Geisel, Pery Constant Bevilacqua, generais; Sílvio Monteiro Monteiro, Waldemar Figueiredo Costa, almirantes; Francisco de Assis Corrêa de Mello, Gabriel Grum Moss, Armando Perdigão, brigadeiros; João Romeiro Neto, Alcides Vieira Carneiro, Octávio Murgel de Rezende, Waldemar Torres da Costa, G.A. de Lima Torres, advogados. Ou seja, a unanimidade dos juízes, togados ou fardados. Não havia ainda o AI-5, o aprofundamento mais cruel da ditadura imposta ao povo brasileiro. Pensávamos terem sido aqueles os piores anos de nossa história recente. Enganamo-nos todos. O que se pretende agora, às escâncaras, é voltar ao pós-1968, pré-1988. Chega-se ao cúmulo de sugerir a aplicação de leis militares aos civis, quase simultaneamente ao Presidente daquele colegiado judiciário afirmar que o governo atual é democrático. A bofetada que meu rosto recebeu, longe de me fazer hostil às corporações, fez-me vê-las em suas peculiaridades. Lá, como aqui fora, há pessoas de bem convivendo com as que não o são. Pena que as primeiras parecem minoritárias. Assim se matam as instituições, assim se assassina a democracia.

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