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Não deixe a sala de aula morrer!

Eu quis ser professor antes de qualquer coisa. Antes de saber de ciências sociais, de pesquisa, de ciência. Irmão caçula fui meio alfabetizado em casa, brincando de escolinha, onde, inevitavelmente era sempre eu o aluno. Prefiro não lembrar dos métodos "pedagógicos" às vezes empregados pelos meus dois irmãos mais velhos para obterem o que lhes parecia, então, os melhores resultados. Eu me tornei professor. Tive professores magníficos que fizeram a diferença em sala de aula e a partir dela - cresci na ditadura civil-militar e na campanha das Diretas Já! Tive alunos magníficos em 20 anos de docência universitária. Sempre procuro ser franco com meus alunos - o eterno desafio de vencer a improbabilidade da comunicação; o persistente problema rousseauniano da transparência do eu. Que sensação única a de interagir face-a-face, perceber um olho brilhando ou um sono vencendo o professor - humano, demasiado humano. E digo a cada nova disciplina - nesses vintes anos foram duas por semestre em média, na graduação e na pós-graduação na UFRJ, e, eventualmente, noutras universidades no Brasil e fora dele - sobre o espaço único e mágico que é a sala de aula, onde a interação contingente nunca se repete, nunca se dilui em rotina. Um clamor para que aproveitem este momento único sempre escapa de mim, às vezes, de forma muito mais dramática do que gostaria, confesso. A sala de aula não é uma Torre de Marfim. Ela não está acima das contradições sociais. Mas ela não se reduz à sociedade. A sociedade não é a mera soma das suas partes. A sala de aula transborda. É um laboratório para compreensão e reinvenção da sociedade. Desencantar e reencantar o mundo - sempre dizia um dos maiores professores que tive a oportunidade de conhecer, Octavio Ianni. Mas a sala de aula não é um ringue. É claro que a interação envolve confrontos. Confronto de ideias, não de pessoas. Uma espécie de eletricidade que se acende bruscamente às vezes, que pode nos levar a lugares certos e a lugares errados, e que pode se apagar, causando frustração pela oportunidade de aprendizado perdida. Um aluno me disse poucos anos atrás: "André, não há mais espaço para professores como você na universidade". A frase virou um tipo de bordão entre nós - prova de que ele não está totalmente certo é o fato de que continua a ser meu aluno - e os mais próximos de nós. Traumas prolongados da pandemia e o neo-liberalismo galopante nas subjetividades e comportamentos me preocupam hoje, mais do que tudo, talvez. Vejo estarrecido a notícia de que 82 % dos ingressantes em cursos de licenciatura - ou seja, de formação de professores - em faculdades particulares, em 2022, estavam cursando EaD. Não existe espaço público virtual. Nem todas as salas de aula do IFCS, onde trabalho, são equipadas ou confortáveis como deveriam. Mas é muito melhor estarmos todas e todos juntos nelas, do que cada um em seu quadrado. Inscritos em nossos cotidianos domésticos ou de trabalho. Reificados em nossa sobrevivência. Vivo a sala de aula! Viva a sala de aula! Dedico esse meu 15 de outubro de 2023 muito pessoal à professora Neide Esterci que, num auditório do 4o andar do IFCS no início dos anos 1990, o mesmo em que este semestre ensino, me fez entender que a sala de aula universitária é o meu lugar. André Botelho, 15 de outubro de 2023

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