Faz poucos dias, uma mulher foi morta no Município de Presidente Figueiredo. Venezuelana, palhaça, a vítima percorria a América do Sul, montada em uma bicicleta. Fazia oito anos, morava em Manaus. Presumo tratar-se de uma artista de rua como as muitas que angariam alguns trocados com os quais possam sobreviver, embaixo dos semáforos das esquinas de Manaus. Trabalhando no que sabia fazer e sobrevivendo com dignidade. Chamava-se Julieta (Hernandéz Martinéz). Tinha 38 anos. Só não teve um romeu capaz de defendê-la, embora nenhum mal fizesse aos que abordava, na sofrida luta pela sobrevivência. Que acabou perdendo. Mais que simples e escondida notícia de página policiai, o drama dessa Julieta violentada é um retrato. Retrato de uma realidade sórdida, ardida, impudica. Talvez a xenofobia de alguns espécimes que se dizem semelhantes a ela tenha a ver com o drama de Julieta. Sem Verona. Sem outros verões. Vida agora sem sol. Não sou o único que ouviu e continua ouvindo palavras insultuosas, agressivas, desumanas, quando os xenófobos dirigem seus preconceitos àqueles venezuelanos ou haitianos que aqui encontraram abrigo e solidariedade. Nossos irmãos originários também sabem do que trato. É menor a população dos que fazem do preconceito uma regra pétrea de vida. Não basta, porém, sabê-los poucos. Importa reconhecer que eles existem. Um só que houvesse, não a multidão em que já se constituem, seria o suficiente para alimentar e alimentar-se do ódio que deu de ser nossa companheira. A tal ponto que a morte da palhaça só conta nos registros policiais. E no lamento e choro das pessoas que ainda guardam dentro de si um coração. E têm na cabeça a solidariedade e o que ainda pode restar da condição humana. Desafinados todos eles, talvez. Mas certos de que no peito de um desafinado ainda bate um coração. Pelas tantas julietas e marias. E Maryelles. Pelos que, capazes de levar a alegria aos seus contemporâneos, sentem-se diminuídos, quando a Vida desprezível de uns sacrifica a Vida construtiva e alegre de tantos.
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