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Herzog


Por *Luís Nassif*


Os dias que antecederam a morte de Vladimir Herzog foram pesados. Eu morava em um pequeno apartamento na regi!ão da Liberdade. Toda manhã acordava, passava em frente à banca de revista, temendo ler alguma notícia sobre a Operação Jacarta. Era o fantasma de todos os jornalistas, uma suposta operação, articulada pela repressão, destinada a eliminar, de uma vez, milhares de opositores do regime.

Quando explodiu a notícia da morte do Herzog, fui correndo ao Sindicato dos Jornalistas. Estava apinhado de colegas, encolhidos nas cadeiras, como crianças, embaixo da coberta assistindo a um filme de terror. Lembro-me da presença, até, de Luiz Fernando Levy, proprietário da Gazeta Mercantil e filho do deputado Herbert Levy. Audálio Dantas presidia o sindicato,

Seis dias depois, aconteceu o culto ecuménico na Catedral da Sé. Ali, começamos a vencer o medo. Só quem esteve lá, naquelas ciercunstäncias, pode avaliar o peso da presença e do amparo de dom Paulo Evaristo Arns, acompanhado pelo rabino Henry Sobel e pelo pastor presbiteriano James Wright

Foram palavras inesquecíveis:

Dom Paulo Evaristo Arns (Arcebispo de São Paulo) -

“A morte de um homem inocente não pode ser em vão.”

“Aqui estamos para afirmar que a vida é sagrada, e ninguém tem o direito de violá-la, nem mesmo o Estado.”

Rabino Henry Sobel (Congregação Israelita Paulista)

“Herzog morreu por afirmar sua fé na verdade.”

“Quando um homem é morto por dizer o que pensa, toda a humanidade sangra com ele.”

Pastor James Wright (Igreja Presbiteriana Unida)

“O silêncio diante da injustiça é cumplicidade.”

“Hoje, nesta casa de Deus, dizemos que a verdade não morre na tortura.”

Saímos de lado abraçados, sabendo que a ditadura estava registrando cada momento com fotógrafos empilhados nos prédios. A partir dali, a imagem de Vladimir Herzog passou a mobilizar a luta individual de cada jornalista contra a ditadura. A de sua esposa, Clarice Herzog, tornou-se símbolo maior da resistência. E as de seus verdugos, major Freddie Perdigão Pereira, o capitão Audir Santos Maciel e o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, entraram definitivamente para a o lixo da história. Principal insuflador da repressão militar, o advogado Cláudio Marques tornou-se um símbolo de traição similar a Joaquim Silvério dos Reis, até desaparecer nas dobras do tempo.

Nada mais foi como antes. O episódio ajudou a diferenciar os que pareciam iguais. Principais apoiadores do golpe de 1964, os Mesquita acompanhavam pessoalmente ao DOPS seus jornalistas detidos, para garantir a sua segurança. Ao contrário, na Editora Abril, Roberto Civita fazia questão de levar os jornalistas suspeitos até a sala, onde recebia os policiais do DOI-CODI, e os deixava à própria sorte.

Poucos meses depois, morria nas dependências do DOI-CODI o operário Manoel Fiel Filho. Alguns anos depois, adquiri um apartamento para meus pais, na rua Abilio Soares, praticamente nas costas do DOI-CODI da rua Tutóia. O proprietário era um dentista, pai do economista Gesner de Oliveira. Depois de acertados os detalhes das venda, ele me levou à cozinha para servir um café e me disse, apontando a pia:

Meu cunhado é o general Ednardo. Quando anunciaram a morte de Fiel Filho ele chorou ali, dizendo ter sido vítima de uma armadilha para Geisel poder demiti-lo.

Anos depois, o fantasma da tragédia ainda assustava toda a classe. Na greve de 1979 fui detido e encaminhado ao DOI-CODI. Imediatamente rumaram para lá Dom Paulo, o senador Franco Montoro e outros políticos. Mas nada aconteceu. O comando da operação passara para o delegado Romeu Tuma, interessado em estabelecer relações para sobreviver aos ventos de redemocratização.

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