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Gratidão



Começo dizendo-lhes da minha gratidão, pela generosidade com que me senti contemplado por esta Casa do Povo. Muitas são as razões para agradecer. Prometo, porém, poupá-los de prolongada peroração. Desejo dizer-lhes da minha simpatia pela atividade política, num certo sentido afastada de meus primeiros projetos de vida, quando o golpe de 1964 reabriu as portas da caverna que o ser humano sempre se esforçou por abandonar. Consciente, desde a mais tenra adolescência do alcance do pensamento de Platão, encaminhava-me para o duplo exercício – o da advocacia e o da política partidária. Neste segundo caso, inspirado no exemplo de meu pai, feito vereador à Câmara Municipal de Belém e vice-líder do seu partido, o Social Democrático de Magalhães Barata. Falo do período 1954/1958, que muitos dos que me ouvem sequer supõem como foi.

Vejo na Política (ouçam-na com P maiúsculo), o exercício da vontade. Se apenas é levada em conta a de uns que se proclamam iluminados por luz que só eles veem, temos os governos autoritários. Se, ao contrário, todos a exercem, estamos obrigados a pôr em discussão aberta e honesta tudo quanto interessa a todos. Assim fica-se mais próximo de tomar decisões benéficas à maioria, não a pessoas ou pequenos grupos. Aí – e só neste caso -, teremos a democracia. Supostamente defendida pelos mesmos que, na verdade, tentam eliminá-la. Não é esse tipo de política (ouçam a palavra iniciada com letra minúscula, por favor!) que me apraz.

Chego a esta Assembleia na qual me conforta ver assentadas pessoas com as quais mantive convívio acadêmico, depois de ter escolhido a cidade de Manaus como minha Pasárgada. Não a mesma tão festejada por Bandeira, mas aquela onde não preciso ser amigo do rei, porque mais me agrada – muito mais! - o convívio com os amigos conquistados. Não é fortuito o fato de, vindo de Belém do Pará onde nasci, transferir-me para a sempre hospitaleira capital do Amazonas. De novo talvez caiba a meu pai a responsabilidade pelo fascínio, a simpatia e o amor que nutro pelo lugar em que aportei, oriundo da capital paraense, ambas instaladas no mais fundo do meu coração. Dele sempre ouvi referências às gentilezas de que, por dever de ofício, mas também pela hospitalidade aqui sempre desfrutada, visitou inúmeras vezes, lá se vai longe a década dos 1950... Alguns daqueles de cuja existência tive notícias chegaram a passar por este ambiente, no exercício de mandato popular – Sérgio Pessoa Neto, Danilo de Aguiar Corrêa, aos quais adiciono o nome de outras personalidades, por ele estimadas e reverenciadas, como Ely Paixão e Silva, Danilo Duarte de Mattos Areosa, Aristophanes Antony, Umberto Calderaro Filho e o comandante Mílton Angelim.

Advogado recente, cheguei para passar 15 dias, quanto bastasse para cumprir a tarefa que aqui me trouxe: acompanhar cunhada e sobrinhas que se juntariam – como se juntaram – ao meu irmão mais velho, que aqui trabalhava. Impedido de voltar, porque a ditadura talvez não me deixasse pôr os pés fora do aeroporto de Val-de-cans, não demorei a conhecer a prisão do amor. Aconteceu de encontrar numa prosaica tarde de sábado a mulher-companheira com quem compartilho a alegria e o prazer, as dificuldades e as amarguras que costumam enriquecer a vida humana, faz mais de meio século. A ela, MARIA DA GRAÇA BASTOS SERÁFICO DE ASSIS CARVALHO, também apresento meus agradecimentos. Como se eles não estivessem em cada gesto, em cada ato, em cada decisão que tomo!

O título que hoje me é outorgado, no preciso momento em que o Poder Legislativo se vê acossado e injustiçado, para mim tem o sabor de mera – mas nem por isso menos importante – oficialização. Amazonense sou, intrínseca e irretratavelmente, desde que decidi aqui ficar. São mais de 55 anos convivendo nesta terra, com os nascidos nela ou os que por alguma razão aqui vieram ter. Com eles desfrutando da hospitalidade característica dos nativos e os favores oferecidos pela prodigalidade da natureza. Também sofrendo as agruras, as dificuldades e os desfavores de práticas nem sempre sensíveis ao sofrimento dos desiguais para menos. Refiro-me, neste momento, à enorme desigualdade que só se ampliou, no lapso de tempo vivido aqui. Pequeno, se comparado ao tamanho da História, infinita e incerta, prolongado se se toma a vida humana como base de comparação. Vem daí, da minha percepção pessoal do fenômeno político e da constatação da realidade que me envolve, a certeza de que a uma Assembleia de iluminados impedida de exercer seu papel na Política (de novo, peço que seus ouvidos estejam atentos para o P maiúsculo), prefiro ter um parlamento ativo, aberto a todo tipo de discussão, exceto aquela dirigida ao enxovalhamento e à desqualificação do que pensa diferente ou da que deseja impor sua vontade sobre a de todos os demais. Porque é da origem, da índole e do dever da instituição parlamentar a possibilidade de dizer tudo que vem à mente dos que lá têm assento. Tamanho também assumido pela responsabilidade pelo que for dito.

Agrada-me a homenagem que a generosidade de Vossas Excelências me confere, porque passo a integrar galeria em que encontro pessoas como o poeta JORGE TUFIC; a Irmã ANNA NENO; os médicos WALLACE RAMOS DE OLIVEIRA, SAMUEL AGUIAR e SINÉSIO TALHARI; os cientistas HEITOR VIEIRA DOURADO, ADALBERTO VAL e PHILLIP FERNSIDE; os sacerdotes Dom SÉRGIO CASTRIANI, Dom LUÍS SOARES VIEIRA e Dom MÁRIO PASCHOALATTO; o economista e deputado JOSÉ RICARDO WENDLING; os professores ÊNNIO CANDOTTI e CLEINALDO DE ALMEIDA COSTA; o pesquisador MOACIR TADEU BIONDO; o advogado MARCOS VINÍCIUS COELHO. Sinto-me confortável pela companhia, tanto o bem que eles fizeram e continuam fazendo pela sociedade amazonense, brasileira então posso dizer. Cada qual em seu campo específico de atividades, nenhum dos que mencionei se terá afastado dos sentimentos, das necessidades, das aspirações, enfim – dos sonhos de seus coestaduanos. E é para isso que os eleitores concedem os mandatos a seus representantes. Nós, os advogados, mais que outros, temos a obrigação de saber o que significa portar mandato. Outorgado por um outro, na esperança de que, seja a razão qual for, e realizados os atos que lhes são pessoalmente vedados, possam chegar, na qualidade de mandatários de parcelas do povo, aos objetivos e à realização das aspirações a que têm todo o direito, como cidadãos outorgantes.

Saúdo, em especial, o deputado também advogado SERAFIM CORRÊA, a quem devo a generosa lembrança do meu nome para receber o título de cidadão do Amazonas. Imagino quanto argumento terá brandido, para obter a unanimidade que marcou a decisão dessa instituição respeitável. A seus colegas solidários, portanto, também agradeço. Sem me esquecer de fazê-los ouvir o que parece tornar-se um mantra cada vez mais instalado em minha mente e em meu coração: para que servem os amigos, se não para atribuir-nos qualidades que sabemos não ter e ocultar os defeitos que sabemos trazer conosco?

Finalmente, aos que me honram com a presença, o abraço fraterno e a atenção dada às poucas e nem sempre belas palavras ora ouvidas, eis que nada mais posso prometer, se não a permanência nas posições já conhecidas, que espero sempre enriquecidas e cada dia mais serenas, do lado que escolhi para combater: o dos que nada têm e aos quais tudo é negado; o dos discriminados seja lá por que razão o forem; o lado dos que só têm esperado e não veem chegada a hora de verem seus sonhos realizados. É a esses que ofereço meu pensamento, minha pena e minha palavra. Com o aval permanente, o estímulo jamais negado e a crítica sempre bem-vinda dos meus filhos, Marcelo e Gustavo e Márcia e Luciana, noras queridas, com os netos Lucas, Nicole, Matheus e Ian – amazonenses que completam a amazonidade (que prefiro chamar amazonência) de uma família-síntese, porque a mãe tão querida por nós, lhes veio do Acre, vindo eu do Pará, para fazermos desta cidade e deste Estado nossa sede da vida. O lugar do nosso mais cabal encontro. A nos saciar a sede de viver.

Para que seja marcado este momento por um átimo inspirador de que resultou o poema, peço-lhes paciência para a leitura que agora começo. Com o aval da Academia Amazonense de Letras, ousada e desafiadora, ao conceder-me prêmio literário no ano de 2011.

Muito obrigado!

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