Tarde demais
- Professor Seráfico
- 22 de mar.
- 6 min de leitura
Vitória Seráfico*
Muitas vezes, lamento ter nascido em 1943. Minha natureza remonta a um século antes. Sou consciente de que nasci atrasada. Eu gostaria de ter aberto os olhos pro mundo em 1843. Ou antes, até. Ter vivido na Belle Époque. Começada em Paris.
Não me tomem por snob. Não sou, nem poderia ser, até porque nasci em berço pobre, filha de pais pobres, e continuo pobre. Considerem-me, isto sim, uma pobre-besta; sou mesmo. Reconheço. Mas não posso negar o fascínio que coisas daquela época, daquele século exercem sobre mim. Também me sinto, às vezes, rococó. Adoro o estilo. E me dou este direito.
Minhas preferências pessoais, em quase tudo, me levam ao século XIX (e um pouco atrás). Nas artes em geral, incluindo pintura, arquitetura, moda, peças decorativas etc. Será isto complexo de museu? Quem sabe?
Os astrólogos diriam que sou assim porque sou canceriana. Chego a me achar uma canceriana-padrão. O fato é que gosto de passado. De História. De tradições. De coisas antigas.
Porém, não me encaixo como pessoa saudosista. Não sou. Não costumo dizer “ah, a melhor época da vida é a infância!”. Minha infância foi muito feliz, mas acho que hoje é melhor que ontem, e amanhã será melhor que hoje. Sempre aposto no amanhã. É paradoxal, mas sou assim mesmo. Na infância, não temos consciência do que nos cerca. Adultos, maduros (ainda mais com oitentinha na costa), nos sentimos mais seguros pra levar o barco em frente... Deciframos melhor esta coisa chamada mundo. Com todos os seus encantos e desencantos. Sabemos o que queremos. E o que não desejamos – pra nós nem pros outros.
Não tenho muita aptidão pra lidar com máquinas, mas adoro apertar o botão, e ver a coisa acontecer. Nisso, sou moderníssima!
O mundo avança, as pessoas mudam, os costumes se transformam, os valores são revistos, e assim devemos caminhar. Estagnação, jamais!
Nesta revolução por que passamos a cada momento, neste turbilhão de mudanças, temos que admitir que nem tudo é totalmente positivo ou totalmente negativo. Se fizermos um paralelo entre o modo de viver de hoje, 2023, e de algumas décadas passadas, fica muito claro que tudo mudou. Em todos os aspectos. O mais surpreendente é que somos protagonistas, agentes dessas mudanças e, ao mesmo tempo, pacientes do processo. Mas nem sempre tomamos consciência disso.
Felizmente, entre o leque amplo dessas mudanças, umas chegaram para o bem de toda a Humanidade. Um bom exemplo é o avanço tecnológico que, por sua vez, ajuda a Medicina a dar passos mais largos, favorecendo estudos mais aprofundados e pesquisas mais precisas. Sem dúvida, traz a esperança de dias melhores pra todos nós. Principalmente, com a possibilidade de cura de muitas doenças.
Também graças à tecnologia, vem a facilidade e rapidez na comunicação entre as pessoas, além de outros inúmeros benefícios que nos são oferecidos. Não existe mais distância.
Tudo isso tem valor inestimável.
Porém, peço licença pra falar dos meus gostos pessoais. Lá vem o Século XIX! Lá vem rococó! Lá vem passado!
Gosto, sim, do que é contemporâneo, nas artes em geral. Música, Literatura, Arquitetura, Pintura e outras manifestações artísticas. Quando digo que tenho a cara de séculos passados, de forma alguma estou desprezando ou deixando de reconhecer o valor, a importância, a beleza deste século XX (ainda estamos no começo do XXI).
Quanto à Música, aprecio quase todos os gêneros. Todos os movimentos musicais. Tropicália, Jovem Guarda, anos 60 e outros. Samba, fado, tango, tarantela, chorinho, seresta, carimbó, forró, enfim. Até porque gosto muito de cantar. E de dançar. Sou apaixonada pelos Beatles. Pra mim, são inigualáveis, incomparáveis, insubstituíveis. (Mas nunca morri de amores pelo Elvis Presley). Lembro-me bem, eu tinha 15 anos quando ele surgiu. Tenho algumas restrições à bossa-nova. Mas não ignoro a sua importância histórica, o contexto em que ela surgiu, o seu objetivo e, principalmente, os grandes compositores que, através das suas criações, clamavam por um país mais justo. Faziam tremular a bandeira da igualdade social. Como fato histórico, a bossa-nova merece os maiores louvores.
Gosto também de Chopin, Bethoven e de outros clássicos.
Aos 12 anos, comecei a estudar piano, instrumento preferido pelos pais que queriam ver seus filhos envolvidos com música de qualidade. Hoje, piano, pra alguns, é coisa de velho. Digo isto com base no que vou contar: há algum tempo, aguardando o sinal abrir, aproxima-se de mim uma conhecida, e me pergunta:
- Vitória, sabes me dizer se o Carlos Gomes é gratuito?
- É sim; é Fundação estadual.
Então ela disse que iria matricular a filha, na época com 8 anos. Perguntei que instrumento a criança iria estudar. Entortando a boca, num gesto de profundo desdém, desprezo total, respondeu:
- imagina, quer piano!
- Ah, lindo! Que beleza!
E a mãezinha, decepcionada com a escolha da garota, falou:
- ah, não! Eu quero que ela aprenda guitarra.
Nem esperei o sinal abrir; atravessei assim mesmo. Não dava pra continuar a conversa.
Quando o assunto é cinema, adoro cenário de salões, candelabros, valsas, mulheres de roupas longas, chapéus e luvas, homens de fraque, casaca etc. Também gosto de filmes bíblicos, épicos etc, que retratem fatos históricos. Na infância, eu, José e a prima Irene assistíamos muito aos filmes da Atlântida, musicais maravilhosos, divertidos que – naquela época – estavam ao nível da nossa compreensão. Hoje, o cinema brasileiro é outra coisa, trata de assuntos mais sérios e mais direcionados aos problemas de nossa gente.
Na Pintura, reverencio os grandes nomes deste século (XX), como Portinari, Di Cavalcanti, Djanira, Tarsila do Amaral e outros, brasileiros ou não. Mas confesso que as telas de Renoir, Claude Monet, Louis Marie de Schryver e outros impressionistas falam mais diretamente à minha sensibilidade. Também gosto dos quadros de Jean Honorè Fragonard e outros, estilo rococó. Afinal, obra-de-arte é pra ser sentida, não explicada. Com base nisso, faço uma confissão que pode deixar muita gente estarrecida: acho horrível a Monalisa! Ainda que alguém queira me dizer que o quadro representa isto ou aquilo, a técnica é genial e inovadora, tudo bem. Que Da Vinci foi um grande artista, não há dúvida. Mas repito: independente da técnica ou de outros fatores, obra-de-arte é pra ser sentida. A emoção estética que desperta no espectador é o que conta. Portanto ...
Durante a nossa infância, morando de aluguel, papai sempre optava por casas grandes, amplas, que nos oferecessem conforto e bem-estar. E que estivessem ao alcance de seu bolso, claro. Embora tenham sido casas mais modestas, o fato é que sempre gostei de casarões, escadarias, gradis, sacadas, tetos e paredes trabalhados, em alto relevo, detalhes típicos de construções antigas e requintadas. Que, hoje, são até derrubadas, dando lugar a modernos edifícios. Um belíssimo exemplo é a escadaria da loja Paris N’América. Será que ainda existe?
Quando nos mudamos para o casarão da Avenida Nazaré, em 1964, tínhamos defronte o palacete residencial da família Moreli. Três andares. Lindo! A demolição daquela casa doía dentro de mim. Tanto quanto a de outros palacetes que havia em Belém. O Grande Hotel, entre eles. Hoje, o espaço dos Moreli abriga um bonito e luxuoso prédio, o Santa Lúcia. Esteticamente, não se compara à beleza da edificação anterior. Felizmente, aproveitaram o portão e o lindo gradil que circundava a casa.
Gosto imensamente deste estilo arquitetônico. Embora no Brasil haja muitos exemplares, inclusive em Belém, como os Palacetes Bolonha (trabalhei lá), Pinho, Faciola e outros, não posso esquecer tudo o que vi, do pouco que conheço da Europa. Paris, em especial. Eu, que gosto de asfalto e concreto, digo (numa crônica) que o turismo que me atrai é aquele que me deixa de cara pra cima.
Vi coisas maravilhosas (da arquitetura) em Portugal e em algumas cidades portuguesas – mosaicos inesquecíveis - em Madri, em Roma. Mas não posso negar que Paris é um espetáculo pros olhos. Estive por lá em 2007 e 2018. Tudo ali é arte, beleza, bom-gosto, requinte, luxo, enfim, coisas que encheram os olhos desta caipira made in Belém em 1943. Na verdade, nós, brasileiros, deveríamos nos envergonhar, constatando que o nosso rico e majestoso patrimônio arquitetônico é tão desvalorizado, tão abandonado.
Embora tenha estado por duas vezes na Capital francesa, ainda não me foi possível visitar o Museu do Louvre. Falta de oportunidade. Daí eu me sentir devedora desta visita. Caso satisfaça este desejo, sabe que ala escolherei? O Renascimento. O estilo também me agrada muito, tanto na Pintura como na Escultura. Quero ver de perto a Pietá e outras esculturas de Michelangelo. E dos outros grandes artistas do período. Também quero ver de perto a Monalisa - e, quem sabe, mudar de opinião?
O mesmo encanto me despertam peças decorativas de épocas passadas: vasos, bandejas, colunas, louças, biscuits, esculturas etc. Lindas de morrer!
Agora, falemos de moda. Ah, as roupas do século XIX!...
Adoro minhas pantalonas, saias, calças legs, blusões, casacos, jeans etc. Mas, sinceramente, tiro o chapéu (ou ponho o chapéu) pros costureiros daquele tempo. Pano, muito pano! Adoro!
Durante a pandemia, pra disfarçar minha aflição, pesquisei e colecionei clichês da moda feminina Paris século XIX. Tenho um belo material a respeito.
Enfim, depois desta crônica, meus leitores vão chegar à seguinte conclusão: que Século XIX, que nada! A Vitória devia era ter nascido junto com o Raul Seixas: dez mil anos atrás!
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