Houve tempo em que o ordenamento jurídico era chamado por outro nome Dizia-se dele ser o arcabouço jurídico nacional. A expressão pretendia dar - e dava - a ideia mais geral das normas vigentes, a que nenhum cidadão poderia fugir, a partir do osso (sim, porque os dicionários o registram) principal do esqueleto institucional, a Constituição Federal. Julgávamos, então e não sem fundadas razões, que ali se inscreviam as normas mais gerais a gerar e orientar a conduta de todos. O golpe de 1964 encarregou-se de destruir a coluna dorsal do esqueleto institucional, promovendo avisos ministeriais, portarias, pareceres e outros papeluchos assinados sabe-se lá por quais sábios em normas legais. Não legais no que elas podem ter, igualmente, de legítimas. Em todo caso, porém,, exigentes da obediência de todos os habitantes do Brasil. No que deu, todos sabemos. De crise em crise, não foram poucas as tentativas de repor o País na direção que gerações mais recentes dizem desejável: nação próspera, com a prosperidade de todos e a felicidade geral. Não nos faltam recursos naturais, nem é o pior em qualidade o povo que nela vive. Pela graça e a imensa tolerância da maioria, acabamos por construir uma das sociedades mais desiguais do Planeta. Bem e mal intencionados cidadãos têm se apresentado como salvadores da pátria. Há momentos em que os primeiros logram posições de influência e mando. Quando isso acontece, de seus gabinetes provêm decisões revogadoras dos limites constitucionais e dos deveres legais que de todos exige obediência. Põem-se na cadeia os que diferem no discurso e na ação; inventam-se normas de afogadilho como instrumento de coerção e coação dos divergentes; substitui-se a atuação equilibrada de agentes da Lei pela inspiração baseada em ódio e o desejo de vingança. Não raro, autoproclamados patriotas rendem-se à vontade dos novos colonizadores, mandando às favas não apenas escrúpulos de que se sabem despidos, mas os interesses da maioria. É preciso, de tempos em tempos, voltar ao passado. Não para fazê-lo inspirador (como frequentemente tem ocorrido), mas esclarecedor. Isso não basta, mas é necessário, se não pensamos em interromper ou atrasar processo que nos levaria à solução de nossos próprios males - a desigualdade sendo a maior delas. Hoje, quando o Congresso Nacional se prepara para apreciar o que as fontes oficiais e a grande imprensa chamam arcabouço fiscal, setores minoritários começam a cavar a sepultura para onde mandaram 700 mil brasileiros e onde desejam ver bem enterradas as esperanças dos segmentos majoritários. Porque sabem que outra fonte de receita da União não é tão grande quanto a dinheirama e o patrimônio acumulados sob as mais diversas formas - ilegais muitas delas -, tentam sabotar o esforço governamental. Nem precisamos ir muito longe, se nos dermos conta dos níveis de sonegação vigentes. E se lembrarmos terem os trabalhadores com carteira assinada, em crescente processo de redução, parte de seu salário reduzida, na fonte. Antes de receberem a miséria que lhes é paga, cumprem coercitivamente o que dos de cima não é cobrado. Enquanto ínfima minoria acumula e sonega, os da base da pirâmide veem aumentadas suas carências. É preciso - para a elite brasileira e os que engrossam seu coro - impedir que a desigualdade ao menos seja reduzida. Voltar à escravização, precarizar as oportunidades de trabalho, dizimar o que restou das populações originais, negar o direito de viver (até impedindo o suprimento de oxigênio nos hospitais), manter apreciável parcela da população sem educação, saúde e saneamento básico, devastar as florestas, poluir os rios têm que ser mantidos, sob pena de ficar menor o patrimônio individual. O ódio sempre dando as cartas.
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Os trabalhadores sempre perdem.
Mas quem manda votar em patrões?