O mundo dos doidos e o reencontro com as coisas da vida*
- Professor Seráfico

- 24 de out.
- 2 min de leitura
Quando eu era menino, tinha um medo danado de ficar doido. Esse temor foi diminuindo com as conversas da minha mãe de que a principal causa da loucura era o estudo excessivo.
Naquele tempo eu já não tinha qualquer disciplina para o estudo. Passei longe de ser o melhor aluno nas poucas séries que estudei.
Minha mãe e as vizinhas conversavam sobre conhecidos que tinham pirado de tanto estudar. Para confirmar a estória, davam como exemplo o Rui Doido, um senhor que andava pelas ruas do Beco do Macedo, bairro onde cresci, com uma pilha de jornais debaixo do braço.
-sabe o que foi aquilo com o Rui? Foi estudar muito. Passava a noite estudando, até que um dia ficou bilé.
Não tinha como não acreditar.
O cara tinha pirado mesmo de tanto estudar. A prova era o apego pela leitura. Mesmo depois dos parafusos da sua cabeça terem afrouxados, ele não largava aqueles jornais.
Eu respirava aliviado. Não ficaria louco.
O tempo foi passando e só me tornei chato. Mas um chato tolerável. Não estudei o suficiente para entrar no mundo dos loucos.
Hoje, sei os motivos da vinculação dos estudos com a loucura. Não é loucura. É um tipo de chatice antissocial.
Geralmente, quem se dedica a estudar com rigor e disciplina termina por se distanciar do seu grupo social, seja através de uma linguagem rebuscada ou pela mudança de hábitos. Isso não é loucura, mas bem que poderia ser.
No meio do povo, quando o indivíduo se isola do grupo, mesmo que seja por lambança, é logo chamado de doido. A palavra mais comunicativa e comum a todos é esta: doido. E tem seus derivados: bilé, parafuso solto, tonto, miolo mole, e outros.
Minha mãe e nossas vizinhas não estavam totalmente erradas. Esse negócio de estudar nos leva a alguns sacrifícios e um deles é ficar doido, vendo números e causas em tudo, analisando comportamentos, combatendo condutas e sempre querendo entender o mundo. É uma chatice louca.
Mas nem tudo pode ser assim.
Podemos compreender e explicar as coisas usando uma linguagem popular para encontrar interlocutores e não ficar falando somente para nossos botões.
Podemos reencontrar nossa identidade cultural, voltando a frequentar nossos grupos sociais, com mais empatia, tolerância e disposição freireana para aprender.
Precisamos da nossa cultura de classe para continuar conhecendo e compreendendo o mundo e as coisas e nos tornarmos menos doidos.
Lúcio Carril
Sociólogo

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