Um garoto trajado como escoteiro tentava fixar o mastro de uma bandeira, no chão de lugar ermo, onde – não se poderia identificar. Chapéu (de massa, dizia-se à época) firmemente assentado na cabeça, a meia-gravata do adolescente balançava ao sopro do vento. A calça curta e a camisa posta para dentro dela tinham as mesmas cores da bandeira. Os sapatos, pretos, completavam o uniforme do suposto seguidor de Baden-Powell. As meias da mesma cor compunham a quase imponência do traje. Também conferiam certo ar de solenidade ao pequeno gesto do estudante. Esta condição, inequívoca, antecipava o que vinha e o que estaria mais tarde contido nas páginas em branco que viriam a seguir. Assim era a capa do caderno Avante, papel que tudo aceitava, como todo papel. Uma a uma, aquelas folhas pautadas e unidas por linha fina costurada, iam sendo preenchidas no dia-a-dia do calendário escolar. Na contracapa, o hino nacional, de que logo se sabia a autoria: Joaquim Osório Duque-Estrada e Francisco Manuel da Silva. Poeta, crítico literário, ensaísta e professor, Duque-Estrada escreveu a letra. Era compositor, maestro e também professor o autor da música. Tempos em que o patriotismo ainda não se curvara ao processo de acumulação e à globalização que arrasta fronteiras em toda parte, a bandeira e o hino constituíam os símbolos nacionais por excelência. Essas eram as fronteiras dentro das quais caberia tudo o que aquelas páginas registravam. Sugestivo, o nome do caderno – Avante, seguido do ponto de exclamação – anunciava o progresso como preocupação permanente, os olhos sempre postos à frente, na construção de uma sociedade de que mal nos dávamos conta, os alunos da escola então chamada primária. Já tínhamos, porém, deixado a caverna, as letras dentro de nós, as palavras ainda mal arrumadas, o mundo à nossa espera.
Mais de sete décadas depois, o nome de uma das dezenas de grupos partidários em disputa pelo poder põe-me diante dos sentimentos e esperanças, informações também, que cabiam na surrada pasta de couro, onde se acomodavam cadernos, livros, lápis, borracha, apontador e a vontade de participar da construção de um mundo melhor. Chegar aos oitenta sem ter visto isso ocorrer é ver anulado o gesto do jovem retratado na capa do caderno. Ê testemunhar a nenhuma retumbância do grito apertado e retido nas gargantas; é ver, menos que plácidas, mortas as águas, devastadas suas margens; é observar nuvens que impedem a fulguração dos raios; é constatar o penhor de igualdade não resgatada; é ver no céu anuviado o cenho cerrado, macambúzio; é não encontrar o cruzeiro-guia no firmamento escurecido; é contrastar a rudeza da mãe amada, idolatrada, com a gentileza prometida. Onde descerá o amor, de onde virá a esperança, se são muitas e densas as nuvens? O céu há muito não nos sorri. Outras são suas explosões, outra a luz – queimando nossas entranhas, pervertendo nossos sentimentos, apagando os sonhos, tornando todos pigmeus adormecidos...
Drummond, perplexo porque Minas não mais existe, lembrou: e agora, José? José, até quando?!