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DO SENTIR E DA FALTA DE PALAVRAS DE SENTIR

Não sou um escritor, nem tenho a alma de poeta. Sou apenas um cidadão que escreve o que pensa e o que sente. Tem vezes que não consigo sequer fazer isso, pois me faltam as palavras de sentir.

Cresci na luta política e neste campo o verbo é de lutar. Ainda tinha 14 anos quando deixei a bolinha de gude e o papagaio para descobrir o mundo. Não sei se fiz certo. Se tivesse continuado com a verve das crianças não teria deixado a angústia dominar minha existência.

O mundo é uma realidade muito dolorosa e a vida se torna uma célula solitária quando a descoberta vem acompanhada de sofrimento.

Não faço da escrita uma catarse, também não compartilho tristeza, pois cada um tem a sua e dela não se livra.

Escrever se tornou um instrumento de luta. O discurso é uma práxis. E com isso construo minha vida.

Mas não basta. É preciso coexistir com corpos vivos, partir pra luta em campo aberto, dar as mãos, erguer os punhos, gritar, gritar o grito da revolta e do descaminho. Sim, do descaminho, pois não me basta o jeito solitário de caminhar.

Vejo nossa floresta queimar, com fogo aceso pela maldade e pela ganância, e não tenho as palavras que expresse minha total angústia. Não aprendi a escrever as palavras de sentir.

Me deparo todos os dias com seres ruins e me dói saber que não emergiram das trevas. Estavam apenas escondidos na caverna ao lado, esperando a hora para sair das suas metáforas e partir para a antropofagia.

E as palavras de sentir me faltam novamente.

Não consigo descrever o medo que tenho de perder a esperança, mas tem uma coisa que me faz gente boa todo dia: ao acordar vejo minha filha, lembro da outra filha com olhos marejados de amor e sei que não estou sozinho, tenho também amigos e amigas que me acompanham naquele sentir sem palavras, mas cheio de gesto de solidariedade.


Lúcio Carril

Sociólogo

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