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Águas fartas

Todo ano, a mesma coisa. Todos sabem da subida das águas e dos sofrimentos impostos aos habitantes da maioria das cidades amazônicas. As cenas emitidas pelas redes de televisão ganham o Mundo e estarrecem alguns dos telespectadores, grande parte deles iludida pela farta divulgação oficial. Alguns chegam a expressar sua incompreensão: como em lugar tão bem contemplado e aquinhoado pela natureza, a sobrevivência permanece presa ao favor do governante e à generosidade (?) dos que preferem tal sentimento ao da solidariedade permanente, participativa, cidadã, humana - enfim? Porque também fartas são as águas, a contradição produzida pela natureza, a lembrar que o Nordeste padece do fenômeno contrário. Cheias e secas, portanto, revelam disparidades e não se contêm apenas no ambiente natural. Pois há corações secos de qualquer bom sentimento, tanto quanto mentes preenchidas pelo ódio, pela indiferença e por tudo quanto esses sentimentos desencadeiam. Todos um dia morreremos, dizem os que lamentam a impossibilidade (?) de multiplicar os efeitos fatais da covid-19. As secas nordestinas, sabem os que têm olhos de ver, promoveram expressiva migração dentro do território nacional. Não fossem os expulsos pela falta de água nas unidades da Federação postas à margem do Atlântico, a tal batalha da borracha não se teria registrado. Não obstante, ainda se está por resolver de vez o problema da seca nordestina. Mandatos são conquistados e renovados sob o patrocínio e a inspiração dela, porque, como ela, as eleições também são periódicas, têm um calendário a rege-las. A Ciência sabe dessas coisas. Tanto quanto sabe das enchentes amazônicas. O que nem todos sabem é que, no ano de 1971, a Comissão de Desenvolvimento Econômico do Estado do Amazonas - CODEAMA tratou do assunto. Tratou-o com a intenção de evitar, reduzir ou minorar os efeitos das cheias, não o de impedir que o fenômeno acontecesse, tão certo ele é, em determinada fase do ano. A equipe técnica do órgão preparou um Plano de Prevenção dos Efeitos das Cheias do Rio Amazonas e seus afluentes. Depois disso, foi o que se tem visto: a extinção da CODEAMA e do ICOTI (Instituto de Cooperação Intermunicipal do Amazonas), a transferência do controle e dos lucros da Companhia de Saneamento do Amazonas - COSAMA para o setor privado e tudo o mais que poderia constituir a rede de proteção aos ribeirinhos afetados pelas águas. Se os rios correm sempre para o mar, governos e desgovernos correm sempre para onde estão os gananciosos. Por isso, o maior empregador passa a ser Caronte, o da barca que levava os mortos para Hades. Quem e o que há-de pôr fim nisso?

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