A história tornou conhecida a cicuta, pelo uso que dela fez um dos mais sábios pensadores da Grécia Antiga - Sócrates. Matando-se, nem por isso o fundador da Filosofia Ocidental privou os pósteros da visão de mundo estudada, seguida, divulgada e atualizada por seus discípulos. Ao longo dos séculos! A Ciência encarregou-se de provar enorme e profundo parentesco entre remédio e veneno. A grosso modo, é a dose que o discrimina. Alguns, porém, atribuem ao rebatismo o papel fundamental. O que leva à elaboração de leis marcadas por interesses de que não se conhecem - quando não há deliberada ignorância - as reais consequências. Está em fase avançada de tramitação no Congresso, sob regime de urgência (!), o PL 6.299/2002, apresentado faz 20 anos pelo então senador matogrossense Blairo Maggi, um dos mais destacados ruralistas do País. Ele planta soja. O projeto conta com o apoio da bancada ruralista, sendo que muitos dos beneficiários de sua iminente aprovação apresentam argumentos que pouco têm a ver com os interesses da maioria da população. Refiro-me especialmente ao senador Carlos Fávero (PSD/MT), a quem coube apontar em defesa do projeto de Lei certos avanços, em relação aos avanços tecnológicos registrados nas duas últimas décadas. Argumentos, como se sabe, são interpretações dadas a fatos reais, tanto quanto nas interpretações repousam os interesses em jogo e a posição tomada pelo intérprete em relação aos fatos. Os avanços tecnológicos levantados por Fávero devem ser entendidos no sentido inverso ao que ele aponta. Rebatizar o agrotóxico para chama-lo de pesticida não muda os efeitos das práticas da maioria dos produtores, nem se adequa às exigências do mercado externo. Mas é neste que os produtores e exportadores brasileiros buscam o enriquecimento cada dia mais ostensivo e escandaloso. Trata-se, portanto, de uma Lei que nasce velha, obsoleta e, pior que tudo, danosa à economia do País, não bastassem as consequências maléficas sobre a saúde da população - a nossa e a dos países importadores com os quais nossos ruralistas têm relações lucrativas. (E como!!!). Há, porém, alternativa que talvez tenha levado à decretação de urgência para matéria que deitou em berço esplêndido durante 20 anos: o PL 3.668, do senador Jacques Wagner (PT/BA). Nele, o autor chama a atenção para a produção de bioinsumos e para o manejo biológico, esses sim, temas, assuntos e recursos de que raros tinham conhecimento, no início deste século. O senador baiano menciona ainda as dificuldades crescentes que o Brasil enfrentaria, se de fato quer ser reconhecido como uma das 10 maiores economias do Mundo, para entrar na OCDE.
No berço onde nascem MPs com o clone dos decretos-leis da ditadura de Vargas e AIs (atos prostitucionais, como dizia o Sobral Pinto da Amazônia, advogado paraense Alarico Barata) da mais recente, não é de admirar a urgência que impede farta e bastante discussão. Menos surpreendente ainda, quando crimes contra o patrimônio público e outras agressões aos direitos individuais e à Constituição são recepcionados com simpatia por expressiva parte da população. Agora, passou-se de defender a tortura e o assassinato dos adversários à replicação do drama dos judeus, durante a Segunda Grande Guerra. Os fornos são outros, os protagonistas, também. As ideias (se e quando existem) e os instrumentos são outros. Nada além disso, porque o objetivo é o mesmo. Assim, se rachadinhas e propina passaram a chamar-se comissionamentos (isso todo telespectador ouviu do então sinistro da Saúde, na CPI da covid-19), o tóxico consumido por nós ganhou o nome de pesticida. A peste real fica esquecida.
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