Seu caminhar era compassado, um movimento fleumático, quase uma parada obrigatória. Falava com uma voz baixa, como quem se desculpa a todo momento. Não tinha aquilo que seus vizinhos chamam de altivez. No trabalho, a voz do chefe substituía o seu silêncio passivo, obsequioso, e nunca deu sequer uma opinião sobre a posição da sua mesa, um móvel cuja maior imponência eram os cupins que ali habitavam. O tempo foi passando e logo lhe tiraram o descanso de domingo e em seguida o direito às férias remuneradas. Não custou e lhe tiraram todos seus direitos, um a um, como num jogo onde só um ganha. Mas ele continuava em silêncio e quando dormia só pensava em não acordar. Na sua casa não via a família há muito tempo. Sua companheira, mulher determinada e amiga, trabalhava no comércio varejista e já não lembrava mais do carinho e dos afagos do marido. Seus filhos só tinham concluído o ensino médio e viviam hoje metidos dentro de fábricas horrendas. E o tempo foi passando, passando, passando. Na velhice viu que não tinha mais um emprego, nem lhe deixaram se aposentar. Já não existia mais família: foi consumida no varejo e no atacado da produção desumana. Seu caminhar é o mesmo, mas vê o tempo parado e sua vida se esvaindo como água entre os dedos.
Sentado, pensa: poderia a vida ter sido diferente? Por que a infelicidade me tirou tudo e todos?
As dúvidas já não ajudam mais. O tempo é inexorável. Não há retorno para o que não foi feito. É preciso ousar desconstruir enquanto há tempo. É assim que se constrói o amanhã; ou não terá amanhã para quem não desafiou o mundo.
Lúcio Carril
Sociólogo
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