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Trânsfuga – e orgulhoso

As facilidades que a legislação oferece acabam por contrariar o suposto propósito de fortalecer os partidos, como convém a democracia que mereça o nome. Quando se verifica o amplo surgimento de siglas não se pode ignorar a lei do mercado, a mesma que subjuga populações inteiras à fome, ao desemprego e a tudo o mais que os acompanha. Por qualquer motivo, ou sem nenhum, torna-se fácil migrar de um a outro partido, não importa se transformando ostensivo agnosticismo em fanático culto ao senhor Jesus, ou outros senhores. A esperada valorização do trânsfuga (era assim que se os chamava, quando nossa língua tinha mais de 500 vocábulos em uso), se prejudicada por irrisória cotação, atiçava outros interesses e mantinha o hábito. Até hoje mantido, como se está farto de saber. Ocorrendo até de o migrante (ambulante não caberia melhor? e mascate?)político confessar essa volubilidade ideológica – se isso existe – como se estivesse a descrever uma trajetória capaz de gerar orgulho, não vergonha. Entre nós, absurdo que a Ibsen e Ionesco surpreenderia, maior a oferta, maior o preço. As escolas de Chicago, Princeton e Harvard não explicariam. A ladina intelectualidade brasileira o faz, mergulhada ela também na disputa pelo baú sempre na ponta do arco-íris, público de preferência. Imenso laboratório de bons e maus costumes, estes mais numerosos, o Brasil inverte a tal lei do mercado e, sucessivamente, uma sigla a mais antes majora que reduz o preço. Convencer alguns parlamentares custa mais caro do que custava. O Fundo Partidário e a discussão que o cerca neste momento dizem tudo. Como o diz o próprio Presidente da República, ao justificar a aquisição de reforço ao seu (des)governo. Se não estivesse lendo Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago, talvez entendesse menos as cenas postas diante da população brasileira, de que quase 600 mil não poderão assistir ao desfecho. Cegos que têm olhos perfeitos, às vezes aguçados além da conta, trazem consigo também enorme vontade de não ver. E acabam por ter seu quinhão dentre os que a covid-19 matou, e os que ainda não se recolheram à paz dos cemitérios. A História, a mestra da vida, como todo professor ou professora, não rejeita alunos. Mesmo os que não querem aprender. Pena que nem todos aprendam. Para tanto seriam necessários um tiquinho que fosse de massa cinzenta e a vontade de fazer o bem.

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