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Foto do escritorProfessor Seráfico

Surpresa, decepção e surrealidade

Chega-se certa idade e se é tomado da sensação de que nada mais nos pode decepcionar, nada mais pode levar-nos à surpresa. Reflete-se um pouco mais e não há como fugir que a sentença só vale quando a realidade nada tem que a obscureça, destorça, esconda. Dentro de um ambiente em que a realidade parece normal, o desvio de percepção poderia ser atribuído à falta de atenção ou de faculdades e aptidões cerebrais mínimas. Não é este o caso, quando a realidade incorpora ingredientes realmente fantásticos, fantasmagóricos, aterradores. Sobretudo pela impossibilidade de encontrar algum antecedente minimamente razoável que leve a pensar estarmos diante de um déja vu. Incorre nessa situação a ex-ministra Damares Alves, a quem o eleitorado do Distrito Federal concedeu mandato no Senado, sob os auspícios, proteção e pálio da própria mulher do Presidente da República. Nem se diga serem ambas autoproclamadas portadoras do Evangelho. Seria centrar demais o foco nelas, apenas dois exemplares da multidão de outros anti-cristãos espalhados pelo País, mesmo nos corredores e gabinetes mais importantes do poder. Pois a (quase)futura senadora alardeou a prática de crimes contra as crianças, segundo ela exploradas sexualmente na ilha do Marajó. Esquecida de que ao Ministério que ela deslustrou por algum tempo, o das Mulheres, dos Direitos Humanos e da Cidadania, cabem as decisões e ações nos fatos por ela inventados, Damares acabou por dar provas de sua absoluta inaptidão para o exercício do mandato popular. Ou, o que será pior, revelou do quanto ela é capaz, para satisfazer a truculência dos que a apadrinham. Alguns me advertirão de que tal traço fez-se muito antes descoberto, quando ela foi ao encontro daquele do qual por falsidade se diz próxima, trepando numa goiabeira. Mas, diz a Lei de Murphy, nada é tão ruim que não se possa fazer pior ainda. Pois ela o fez: em comício a que pretendeu dar tonalidade religiosa, e ao lado da sua protetora e patrocinadora, em Manaus ela discorreu sobre as formas de praticar a falsa exploração sexual de crianças (de menos de um ano, inclusive - ela o disse), uma espécie de passo-a-passo dos atos libidinosos. No salão havia inúmeras crianças. Até agora, os jornalistas escarafuncharam documentos do Ministério por ela ocupado, sem encontrar um só registro (prova, nem pensar!) da denúncia a que a falta de seis milhões de votos de seu objeto de adoração a levou. Se a Justiça Eleitoral chegar a conceder o diploma a Damares Alves, será em cúmplice do crime (já nem falo do pecado, porque o deus a que ela se diz vinculada não sabe o que é isso) capaz de estarrecer mesmo os que se julgam acima de surpresas e decepções. Haja surrealismo!...

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