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Foto do escritorProfessor Seráfico

Reflexões de um jovem oitentão

Ponho-me a refletir a propósito de realidade a que não posso fugir, o cotidiano que, no fim das contas, é a colocação de cada pedra do caminho que nos leva ao futuro. A televisão e as redes da internet nos trazem para dentro do que os hipócritas chamam “ambiente sacrossanto do lar”, imagens e palavras que desmentem nossa falsa pretensão de sermos realmente humanos. Uma espécie de semente plantada dentro de nós, que um dia explodirá com todo vigor, trazendo-nos sofrimento, não prazer; arrependimento, não gratificação; morte, não Vida. Nem se sabe mais se a guerra na Síria acabou ou continua a matar, outra guerra leva aos ares cidades inteiras, na Ucrânia. Não que seja a Ucrânia protagonista, mas o terreno onde os russos e as tropas da OTAN se matam, seja lá o pretexto que for. Corro os olhos pelo Brasil, o que vejo? A exposição da criatividade pela qual somos tão festejados e de que tanto nos orgulhamos. Não apenas no futebol (Pelé não me deixa mentir); na literatura (Guimarães Rosa é quem nos diz e mostra); na música (ah, se não houvesse Chico, Caetano, Mílton, Djavan e...!). Desta vez, a criatividade posta a serviço da morte. Não precisávamos, portanto, ir tão longe! Por que acrescentar à mortalidade do vírus coroado a maldição de vermes bípedes que desejam passar-se por humanos? Por que fazer da mentira o fundamento de políticas voltadas ao extermínio dos povos mais carentes – não ao amor, à solidariedade, à inclusão, à preservação...? Não será esse um fato tão doloroso e nefasto quanto a guerra no país europeu? No entanto, um e outro existem.

Os jovens de oitenta anos, dentre os quais me incluo, nem sempre desfrutam da felicidade (como ser feliz em meio a tanta hipocrisia?) de ainda ter olhos para ver todas as cores; ouvidos abertos a todos os sons, venham de que direção vierem; narinas afeitas a todos os odores, alguns mais outros menos agradáveis. Desfrutando de tudo isso, e tentando enxergar até aonde a vista não alcança, ouvir o que nem sempre é perceptível senão ao coração e à mente vagabunda, tento entender o mundo pelo qual me sinto, qualquer que seja a medida, também responsável. Como fizemos para chegar até o ponto em que estamos? Quais os valores e os exemplos que nos trouxeram até aqui, para desdouro e demérito diante de nossos contemporâneos e, muito mais, dos nossos pósteros?

Não vejo nem sinto o desejo de tudo isso ser posto em discussão. De um lado, os que produzem a realidade (dentre os quais já sabem que me sei incluso) sequer admitem a iniquidade e a perversidade que a constituem. De outro, por ingenuidade ou cálculo, há aqueles que dizemos com alta dose de leniência, serem equivocados. Os poucos (serão tantos assim?) que fogem a alguma dessas duas categorias sentem quão desértica é a paisagem. Não apenas porque as matas estão sob permanente processo de desflorestamento, ou os rios estão secando. Não há eco onde há deserto. Fala-se para quem não deseja ouvir. Escreve-se para quem não sabe ler, ainda que alfabetizado. Não trato aqui das crianças menores, dentre as quais há os que sequer esperam os seis anos de vida convencionais para abandonarem a caverna da ignorância. Dirijo-me aos analfabetos políticos, como o dramaturgo alemão Bertolt Brecht classificava os únicos seres capazes da Política, como a disse Aristóteles, e eu lembro: o espaço por excelência onde a vontade humana pode exercer-se livre de peias, ódios e maus propósitos. Mesmo permanecendo cheio de vícios e qualidades, infeliz o Homem (e mulher, diria um desavisado) que cultiva esse tipo de ignorância. Estarão todos condenados à latrina da História. Oxalá alguns consigam tornar-se pelo menos adubo...

Manaus, 01-02-2023

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1 Comment


Cláudio Frota
Cláudio Frota
Feb 02, 2023

Sempre fico maravilhado ao ler vossas reflexões nobre amigo.

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