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Profissões de quem não as quer

Quando mais vítimas a covid-19 fazia no Brasil, o despreparo, a grosseria e a desumanidade do Presidente da República encontraram a forma que a ele pareceu mais adequada à fuga da responsabilidade que lhe cabe pelo cargo exercido: não sou coveiro foi o que ele respondeu a familiares de algumas vítimas da pandemia. Não foi aquela a primeira vez em que de sua boca saíram ofensas e desrespeitos, sobre qualquer que seja o assunto. A reação da opinião pública, porém, bastaria para fazer o ex-capitão arrepender-se do gesto e das palavras, inaceitáveis numa boa república e inadmissíveis numa nação até então tida pela comunidade internacional como civilizada. Pior nem foi alguns de seus apoiadores fazerem coro à ofensa proferida por seu objeto de fanática adoração. Como sua inteligência não é suficiente para entender o papel que um Presidente da República desempenha e as consequências de seu desempenho, interessa-lhe nada prestar satisfação de seus atos aos que não se reúnem no curralzinho do Alvorada. Os demais brasileiros são resto para ele, e como resto permanecerão tratados. Daí a surpresa zero com a repetição do gesto anterior, agora referindo-se ele ao fato de convivermos em uma sociedade que registra mais de 30 milhões de pessoas com fome. O comentário, no mesmo tom desdenhoso, e no tatibitate que lhe é característico, reduziu-se à expressão não sou cozinheiro. De que lhe faltam as mínimas condições para exercer as duas dignas profissões, ninguém duvida. A única das searas em que ganhou a vida pensando que seria capaz de fazê-lo, em especial pelo culto às armas de fogo, ele foi excluído. A outra, a política de que se diz inimigo, manteve-o ativo, porque para pessoas como ele existe o centrão. O mesmo que ainda lhe dá sustento. Num certo sentido, porém, ele age como se coveiro fosse, ou talvez agente funerário seja mais apropriado chama-lo: é esse profissional o que prepara o enterro da última quimera, porque lembrar Augusto dos Anjos não é despropósito total. Cozinheiro chamava-se ao secretário de redação dos jornais de antigamente. Ele sabia de tudo e aplicava o que sabia, para entregar ao leitor algo digno de ser lido. A profissão, no caso do Presidente da República, pode fazê-lo um mago que, no porão, mexia caldeirões e derramava venenos empurrados goela abaixo dos inimigos. Até o dia em que ele mesmo prova de suas poções. E dá trabalho aos coveiros.

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