O contrário da eternidade não é a morte, mas o esquecimento. Nem toda a aventura humana tem sua permanência desejada, seja nos fatos e coisas em si, seja na memória dos sobreviventes. Daí a cuidadosa preparação do esquecimento, para evitar que a História - tanto ela se vale da memória, e passa a sucessivas gerações pela historiografia – seja escrita de forma aproximada dos fatos narrados. Não admira nem surpreende, portanto, que museus, casas de cultura, escolas e instituições de alguma forma ligadas à memória sejam alvo preferencial dos que não têm qualquer apreço pelos seus semelhantes (até que ponto?). Registro oportuno e da maior importância nesta difícil e trágica fase de nossa História inaugura-se dia 6 próximo, no Centro Universitário Maria Antônia, da USP. Lá, a exposição MemóriAntônia reúne um conjunto de obras de artistas veteranos e jovens, marcados e desafiados pela mais recente ditadura. (Não digo a última, porque iniciativas como a de que o professor Márcio Seligmann-Silva e o arquiteto Diego Matos são os curadores resultam exatamente das ameaças que pairam hoje sobre a sociedade brasileira). Destaco, porém, a importância da exposição, tocado especialmente pelo que se conheceu (e aqui um cineasta da Amazônia, Renato Tapajós tem papel fundamental) como a batalha da Maria Antônia, transformada em documentário que registra a ação nefasta dos inimigos da democracia e da humanidade. Uma provocação mnemônica, como o classifica o professor, tradutor e crítico literário Márcio Seligmann-Silva, o evento do Centro Universitário rememora o que muitos têm como apenas um ponto no processo de apagamento da memória nacional. Junto à percepção revelada por antigos participantes, observadores e analistas dos fatos ocorridos no País de 1964 a 1985, estão obras dos que Márcio considera luminares das novas gerações, expressão que por si mesma diz do papel das artes no desvendamento de realidades que alguns tentam obstinadamente ocultar ou falsificar. O olhar percuciente e dotado de invulgar percepção dos participantes jovens da mostra, assim, põe luz onde a escuridão pretender impor-se. Vale a pena, aqui, a palavra de Thiago de Mello, o cantor mais vibrante, quanto maior a escuridão. Várias linguagens da expressão artística são reunidas na exposição MemoriAntônia, ela mesma servindo para lembrar projeto de caráter nacional, em que o Estado do Amazonas teve presença destacada. Refiro-me à rememoração, em 1997, da Guerra de Canudos, quando o peso do autoritarismo dizimou toda a população do arraial do Belo Monte, onde Antônio Conselheiro dirigia experiência desajustada aos padrões de desigualdade reinantes no País. Vinte e quatro anos antes, o projeto ABRAS-FGV reuniu especialistas e interessados no Brasil e seu futuro, em torno de questões fundamentais expostas, relatadas e discutidas em seminários, projeções cinematográficas e audiovisuais, palestras, fotografias e pintura, tornando o Amazonas o segundo Estado em que a (infeliz, mas nem por isso inconveniente ou dispensável) memória daqueles fatos foi posta à luz. Antes dele, só a Bahia, em cujo sertão as forças repressoras eliminaram toda a população e Euclides da Cunha encontrou substância para seu Os sertões, realizou maior número de eventos. Então, a frase-símbolo Lembrar para não repetir, parece plenamente aplicável à MemoriAntônia, exemplo digno de ser seguido por outras instituições, País a dentro.
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