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O olhar de Fico

Entrevista prestada pelo historiador Carlos Fico ao BBC News não pode ser ignorada pelos interessados na política brasileira. Para o historiador, as posições assumidas pelas forças armadas em contraponto ao esforço por chegar a um patamar aceitável da democracia têm suas raízes em passado não tão recente assim. Elas se foram consolidando desde a guerra do Paraguai, quando a Tríplice Aliança promoveu verdadeiro massacre à população daquele país. Daí em diante, ora mais, ora menos, a conduta das forças armadas, em seu conjunto, projetou a percepção de mundo de seus comandantes até o presente. A cada novo período, as manifestações da caserna acrescentavam e acrescentam apetite pelo poder, algo imcompatível com a democracia, mais ainda com a república. Porque têm as armas sob sua custódia, os fardados entendem-se detentores particulares e senhores incontestáveis dos destinos da nação. É frequente e confirmado o caráter golpista do movimento de que resultou a implantação da República, no final do século XIX. Dela não participou a população, nem o regime que ali foi iniciado acenava com benefícios generalizados. À elite imperial sucedeu a elite militar, de que o exercício da Presidência reservado aos golpistas, nos dois primeiros mandatos é ilustrativo. Foi crescente o protagonismo das forças armadas, ao longo do século passado. Há vários episódios que o revelam, mas dois deles bastam para localizar marcos importantes da caminhada autoritária. O primeiro deles, a rebeldia contra o autoritarismo de Getúlio Vargas, que pretextou a insurreição chamada Intentona Comunista para criar o Estado Novo, em 1937. Depois, o golpe que o suicídio do ex-ditador adiou por dez anos. Em 1964 inaugurou-se longo período ditatorial, superado tímida e covardemente pelas lideranças civis e militares. Diz disso a anistia concedida sobre tabula rasa, igualando crimes contra a humanidade a delitos políticos que sequer deveriam ter o caráter que a lei lhes concedeu. Isso tudo depois de a própria ditadura ter praticado atos terroristas, como os atentados à sede da OAB e ao Rio Centro. Em todos esses acontecimentos registra-se a participação dos quartéis. Lúcida, a análise do autor de 'O Golpe de 1964: Momentos Decisivos'. todavia não chega a ser exaustiva. Talvez até por nada lhe ter sido perguntado a respeito do que será sugerido agora. É fácil perceber o grau de anacronismo das lideranças militares, no que toca à realidade do Mundo nas duas primeiras décadas do terceiro milênio. Elas parecem ignorar a derrubada do muro de Berlim e tudo o mais que a sucedeu em termos de geopolítica e ideologia. Por isso, a insistência, maliciosa ou inadvertida, em resgatar o comunismo como real ameaça. Praticamente esquecido como ideal a ser ainda alcançado, o regime que Stalin ajudou a desiludir frequenta sobretudo a cabeça dos que na verdade detestam a democracia. Mas nas escolas militares é isso que os futuros oficiais aprendem. Preparam-se nossos patriotas para enfrentar uma guerra que não vem, com inimigos que não mais existem. Dá pena vê-los entregues a tarefas que não são suas, à falta do que fazer. Melhor assim porém, do que tê-los fazendo errado o que seria de sua exclusiva competência.

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