Funk e bossa
- Professor Seráfico
- 8 de set. de 2022
- 2 min de leitura
Uma das características do Brasil é a diversidade, e não apenas em um só ângulo da qual se o aprecie. Ao contrário do que ouço e leio de certos comentários, nossa extensão territorial é uma vantagem, jamais um estorvo. Não tivéssemos tanta terra, seria menor nosso potencial - econômico e social. Saber aproveitá-lo é a grande questão, comparada apenas à forma às vezes criminosa e mal-intencionada com a qual esse potencial é visto. Graças ao tamanho do País, dispomos de biomas diferentes, sendo que a própria natureza nos provê de alternativas aptas à promoção de melhor qualidade de vida. A variedade de raças, a partir das comunidades precolombianas encontradas pelos europeus também concorre para tirar o melhor proveito dos variados recursos naturais, se não nos limitarmos ao gueto dos que se pensam consultores de Deus. Do ponto de vista cultural, não são muitas as nações que podem exibir variedade tão ampla como a de que somos detentores. O olhar atento e criterioso descobrirá, sempre e em qualquer das regiões do País, novidades ignoradas pelos que se dizem civilizados, ainda que persistentes na conduta bárbara em que incidem. Isso faz com que a própria noção de civilidade e civilização seja mais que desatendida, porque ostensivamente agredida. Indígenas, pretos e o elenco de biotipos decorrentes da miscigenação convivem com a hostilidade das elites e dos que as representam, em todas as instâncias onde transita e se acomoda o poder. Embora minoritária, a parcela da população de olhos azuis, pele branca e cabelo louro exerce com mão de ferro seu poder, não importa quanto isso tenha de perverso e desumano. Se, no interior da Amazônia ribeirinhos e indígenas permanecem objeto do desprezo e de politicas exterminadoras, as formas de expressão deles também é vitimada pelo preconceito. Um exemplo apenas, a situação dos amazônidas não é diferente do tratamento dispensado pelas elites aos habitantes de outras regiões. Pior, há os que, nessa caminhada voluntária em direção à barbárie apostam na desqualificação de uns em relação aos outros. A tentativa de eliminação física vem acompanhada do extermínio cultural, cujos efeitos alcançam amplitude temporal incalculável. Aqui cabe lembrar ter sido a bossa-nova um marco na História do Brasil, cuja emergência coincidiu (sem ser coincidência ou obra do acaso) com momento em que havia certo projeto nacional. Tentávamos àquela altura superar as condições que a Revolução de 30 e movimentos antecipatórios dela já haviam denunciado. As forças sociais, porém, só em 1954 conseguiram traduzir e escrever em letras mais destacadas como a sociedade desejava construir seu futuro. Bastou uma década para as mesmas forças sociais revogarem a decisão anterior. Os vinte e um ano subsequentes, então, prepararam o Brasil para ser o que hoje é: uma nação sem projeto, em vias de tornar-se uma teocracia miliciana, corrupta e desprestigiada em escala universal. Por isso, formas simples de expressão, mas recheadas de realidade social são tidas como manifestações inferiores. Falo do funk, talvez o espaço onde o protesto se tem feito mais contundente e comprometido com os valores afeitos ao ser, se é do humano que estamos tratando. Ver a realidade de hoje com lentes do passado não poder dar em outra coisa, se não ao regresso à barbárie.
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