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Sopro no vidro


Era um domingo. À tarde, em São Paulo. Acabáramos, Graça e eu, de visitar a feira de antiguidades do MASP. Algumas tendas, do outro lado da rua, chamaram nossa atenção - a feira de artesanato. Não foi difícil descobrir um artesão fazendo pequenas peças em vidro soprado. Indaguei dele se saberia confeccionar uma imagem de Dom Quixote.

"Desde que o senhor me mande um modelo, eu o replicarei". Fiz como ele disse e, cerca de dois ou três meses depois, recebi, embalado cuidadosamente, o que ao autor parecia uma réplica da imagem conhecida do herói cervantino. Mesmo sob o olhar enviesado de alguns que conheceram a pequena peça, mantive-a na galeria de casa. Realmente, seria necessário explicar como surgira aquela imagem, incapaz de ser apreendida em seu significado ao simples olhar. Justificava minha insistência em pô-la ao lado das demais imagens do cavaleiro manchego:"assim o vê o soprador de vidro. É o que me basta". Suspeito que a arrumadeira de minha casa à época, algum dia aprendeu quem era Alfonso Quijano, cavaleiro andante auto-proclamado. Sua vassoura pôs por terra o infelicitado herói. Aborreci-me, sem a dor que me afetaria, outra fosse a peça perdida. Um ano após, seguindo o mesmo roteiro, percorridas as tendas da feira de antiguidades dirigi-me ao Parque Trianon. Voltei ao artesão e seu vidro soprado. Ele me reconheceu e mostrou ter-se lembrado do primeiro encontro. Pode então responder à minha pergunta:"eu trouxe duas estatuetas de Dom Quixote. Vendi a maior durante a manhã deste domingo". Pressuroso, pedi a outra. É esta que vocês veem. Parecida, agora sim, com uma das maiores criações da literatura universal. Mesmo se o elmo não parece a bacia de Mambrino.

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