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Contrafação democrática

Habituamo-nos a superestimar a gravidade da infeliz realidade em que vivemos, dando margem a surpresas sucessivas. Chegar ao fundo do poço, assim, é probabilidade sempre postergada, tantos e tamanhos os esforços para aprofundar as desigualdades em que nos situamos dentre as nações líderes. Por isso, geralmente ignoramos o que se passa longe de nós e, muito por conta de outros fatores também, é lá que vamos buscar lições. Não sem antes aplaudir, reverenciar e consagrar os maus exemplos e tomá-los como modelos. Talvez por isso Nélson Rodrigues dizia alimentar-nos certo complexo de vira-latas. Que alguns veem como enfermidade real, não uma deformidade de percepção ou doença da psique. Nada mais que profundo senso de realidade. A nação à qual e a cujos símbolos os maiorais da nossa pseudo-república rendem homenagens, com frequência ajuda a esclarecer acontecimentos de que nossos 8,5 milhões de quilômetros quadrados têm sido palco. Já nem menciono a replicação, em território nacional, de práticas a que se entregam os serial killers que lá têm seu laboratório e berço. Menos numerosos aqui que lá, a diferença está mais na fonte dos agentes dessa abominável e criminosa ação. Fora daqui, particulares mergulhados em uma sociedade intrinsecamente movida pelo belicismo e o dinheiro respondem pela maioria das matanças. Aqui, vemos as mãos armadas pelos cofres públicos envolvidas nas ações correspondentes. A similaridade está na facilidade com que se armam os cidadãos. Eis, portanto, a quanto leva a admiração cega a modelos aproximados da barbárie. Acontecimentos a que muitos dão pouca atenção servem para revelar alinhamentos políticos e ideológicos depreciativos de nossa inteligência e em desacordo com as aspirações nacionais. Lá, onde se diz presente modelo adequado à democracia ocidental, matam-se presidentes como os antigos (os modernos, também) coronéis de engenho e capitães-do-mato matavam e matam desafetos e escravos. Aqui e em outros países construídos sob o mesmo modelo. Mais recentes, debates políticos trazem à baila nos Estados Unidos da América do Norte restrições sob qualquer aspecto incompatíveis com o que se tem entendido por democracia. Esvaem-se, assim, as grandes manifestações - essas, sim, democráticas! - que Martin Luther King reduziu em frase lapidar - eu tenho um sonho... Também ficam comprometidas as esperanças de que a maior das invenções gregas, a democracia, um dia chegue a exercitar-se em todos os lugares do Mundo.

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