Jorge Porto
Na penumbra crepuscular, à beira do rio Tipiacá, Iracy, vô Quim, Zé Curari e Donana se reuniram sob o teto do galpão cooperativo, após uma reunião exaustiva do conselho consultivo da Reserva Extrativista. A tensão, agora acompanhada de uma sombra mais densa, denunciava não apenas as agruras cotidianas enfrentadas pelos povos da floresta em 2023, mas um adversário invisível e onipresente: as mudanças climáticas ambientais. A voz de Iracy, quebrada pela tristeza, ecoou na noite, compartilhando as lutas diárias que não eram mais apenas contra interesses externos, mas contra os caprichos implacáveis da natureza.
Vô Quim, que sempre fora a bússola sábia da comunidade, falou das metamorfoses que presenciara, da alteração abrupta dos padrões climáticos que secaram rios e igarapés, arrancando a vitalidade que sustentava suas práticas tradicionais. A conexão ancestral com os cursos d'água, outrora fluente e generosa, agora era uma lembrança murmurante, um eco de um tempo que a mudança climática parecia ter roubado.
Zé Curari, cuja energia era tão resiliente quanto as próprias árvores que compunham a floresta, delineou os desafios adicionais impostos pelo isolamento forçado. As mudanças climáticas trouxeram consigo não apenas a seca, mas também um manto de solidão que envolveu as comunidades, fragmentando o tecido social que, por gerações, fora a espinha dorsal de sua existência. A fome se instalou, e as doenças gastrointestinais, como sombras silenciosas, permearam os lares.
Donana, porém, não deixou que a escuridão prevalecesse. Com olhos carregados de esperança, compartilhou como, na virada do ano, algo começou a mudar. As rédeas impiedosas da mudança climática, que por tanto tempo haviam governado suas vidas, começaram a afrouxar. A chuva, como uma dádiva há muito aguardada, começou a acariciar a terra ressequida. Os rios, que estavam silenciosos, começaram a murchar, dando sinais tímidos de renascimento.
À medida que a noite avançava, a conversa tornou-se um campo de esperanças renovadas. Falaram sobre o ciclo inescrutável da natureza, sobre como a mudança climática podia ser um inimigo formidável, mas também uma força que poderia ser domada com ações coletivas e decisivas. Citações de antigos sábios foram entrelaçadas com observações recentes de pesquisadores que, mesmo diante das adversidades, mantiveram a chama da investigação acesa.
Na despedida, o abraço coletivo parecia carregar não apenas o peso dos desafios enfrentados, mas também a promessa de uma resiliência fortalecida. Decidiram que, em 2024, não só defenderiam a floresta, mas também se uniriam para enfrentar as mudanças climáticas com a determinação que só a comunidade podia proporcionar.
E assim, sob o manto estrelado da Amazônia, despediram-se com a certeza de que a natureza, apesar de sua fúria, podia ser acalmada. A mudança climática, embora tenaz, não seria a única narrativa a ser escrita. Com a virada do ano, a promessa de um clima mais favorável trouxe consigo a esperança de um renascimento, não apenas para a floresta, mas para as comunidades que, com resiliência, enfrentavam o desconhecido. A noite, agora tingida de otimismo, viu-os partir com o compromisso renovado de moldar um amanhã mais promissor para os povos da floresta, onde a natureza e a comunidade se entrelaçam como fios tecendo a tapeçaria da vida.
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