Domingos
Mais um domingo
em nada parecido com
os seus antecedentes
como serão os que vierem
depois?
não vejo a mulher gorda
véu de piedade
posto à cabeça
a mão atada às contas
de um rosário
outra firme
aperta os dedos
do menino travesso
a rua chamando-o para
a aventura
que faz a mãe
temerosa preocupada
não passa por mim
a família barulhenta
em direção à praia
quem sabe já ocupada
por tantos iguais àquela
mulher
o marido impaciente
no desequilíbrio da
cesta
em que garrafas
pratos de papel
saquinhos plásticos
equivalem à boia de borracha
bem segura à outra mão
os bares estão desertos
de lá não vêm
as gargalhadas tom etílico
irrazoável
as imprecações contra esta vida
Que porca vida!
A pilhéria ou a corte
de mau gosto
à jovem desvestida
pisa em piso de ovos
olhar e esgar
seduzindo
em andar tão afetado
quanto lindo
machos mal resolvidos
enfurecidas senhoras bem-casadas
emergentes as invejas
escondidas
nas que se sabem
da beleza despojadas
dos bares também não saem
homens cambaleantes
cantando o canto triste
dois pés parecendo três
nos passos atarantados
dos abandonados
discursando sobre desamores
quase esquecidos
mal dizendo da má sorte
de seus dias
Pobres dias!
Não vejo Ana e Jonas
recebidos pelo portão que os acolhe
emoldurado o vinho regador
de fraternidade
Marcelo faz-se ausente
com Márcia e Lourdes
não chegam o sorriso sereno
de Nicole
a bola amiga e companheira
do Ian
neste domingo não correrá
ligeira na grama do quintal
abstêmios da caipirinha
animadora
Gustavo
não entrará
pelo portão florido
que a todos
emoldura
não teremos o violão de
Lucas
a sarar nossas feridas
serão outras as cores
o desenho em que
Matheus
põe-se com esmero
hoje não faz menor
o desespero
Tristes agora são as cores!
Quando ouvir de
Luciana a palavra
fonte de alento
de Altamir e Marion
o mandamento de
Freud ou Agatha
tão necessários
precisos?
não nos socorrem neste
domingo amargo
espirituosidade oportuna
do Igor
nome guerreiro
ternura quanto basta
a serenidade que é
fortuna da Vanessa
as brincadeiras com que
João e Luiz fazem
a alegria dos nossos
fins-de-semana
sempre e apenas
o início
de outros dias
os que acolherão
no colo depois nas mãos
de Monique
o recém-bem-vindo
Arthur
Quanta esperança!
Vejo e ouço
neste domingo indesejado
a extensão da dor
dos sentimentos que a produzem
de quanto pode
a maldade humana
tenho-a pelos ouvidos
no alarido de automóveis barulhentos
o buzinar incessante
das profundezas
despertado
pelos que amam a morte
uma vez dela poupados
ouço também
a sirene insistente
qual sustenido remendado
na diferença da ambulância
socorrente
que agora faz-se
de Caronte agente
o som das parcas
estimado
tétrico trio
vírus morte festa
passa pelos mesmos caminhos
Tristes caminhos desta
Humanidade!
Manaus, 19 de abril de 2020, nem a propósito, o DIA DO ÍNDIO. A eles, portanto, ofereço este exercício de aparente maldição, a esconder o quanto de esperança o coração e a mente retêm. Ponham os trabalhadores sem carro, sobretudo, dentre aqueles que preenchem meus neurônios nesta hora tão pungente.