Chega um dia em que percebemos quase totalmente perdida a capacidade de nos surpreendermos. Com ela, a impossibilidade de experimentar qualquer decepção. No meu caso, esse marco ocorreu muito antes dos 80 anos, que espero alcançar em 2022. Não vem ao caso buscar as razões dessa conquista, de algum modo precoce, ainda mais para um otimista inveterado. Não posso desconsiderar, porém, lição traduzida numa frase simples e cheia de conteúdo, repetidamente ouvida de meu pai. "Filho, é com essa humanidade que conviverás, até teu último dia de vida". O velho João Seraphico não precisava dizer mais. Logo minhas energias eram mobilizadas, porque para isso servem o interesse e a capacidade de aprender. Julgo ter aprendido algo, nessa trajetória próxima de vencer a oitava década. Por isso, não me impacta testemunhar quadrúpedes assemelhados a seres humanos postos sobre duas patas apenas. Nem ouvir de tais monstros imprecações e desaforos excretando o produto de sua ignorância, o bile odioso escorrendo pelos cantos da boca suja, o apetite ainda insatisfeito. Também não me pode mais assustar a coorte de seguidores a aplaudir as monstruosidades, a igualar todos na cova a que condenam seus contemporâneos. Também para isso se vive. Com a vantagem, no meu caso, de cedo ter ouvido uma das lições mais sábias recebidas. É assim que caminhamos e caminharemos, até chegar à verdadeira humanidade.
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