Um Prisma Espelhado de Cristal
*Paulo Emílio Matos Martins
já era tarde na vida
quando o mestre-joalheiro se armou
com sua lapidadora, seus buris, estilheiras e serras,
morcetos, fosqueadores, cadinhos, torno e tantas pinças
que faziam sua arte, talhada em preciosas gemas
sim, era tempo de realizar
sua obra-prima:
três lâminas espelhadas de cristal,
as pedras que tanto lhe custaram
- as mais raras e perfeitas que lapidara
os mais translúcidos
jaspes, safiras e rubis,
entre as primárias;
esmeraldas, granadas e ametistas,
eram as secundárias
de matizes e tonalidades variados
fluoritas, amazonitas, ágatas,
turquesas e morganites
formava-se a paleta de cores
do vetusto artesão
concluída sua preciosa joia,
era só girar, contra a luz, esse prisma de cristal
as gemas, tantas vezes lapidadas e polidas,
multiplicavam-se mescladas nas faces espelhadas,
infinitas, singulares, breves, belas
o poeta encantado sonhou, então,
um caleidoscópio de palavras
aprisionadas nas páginas espelhadas
de um léxico de infinitos significantes
de todas as línguas
que, quando em giro e iluminado,
seus referentes linguísticos se combinassem
partejando poemas: épicos, dramáticos e líricos
monossilábicos? dissilábicos? redondilhas? bárbaros?
únicos, irrepetíveis, infinitamente
sonetos? cantigas? versos livres? haicais?
imagens multiplicadas se formavam: versos, estrofes,
novos arranjos de palavras
refletidos no cristal dessa poesis,
infinitos, singulares, irrepetíveis, belos
na paleta dessa poesis
as cores também se misturavam
fazendo com que seu cantor:
não se contentasse de contente;
fingisse dor, a dor que deveras sente;
partisse no corpo da amada,
de repente,
morresse de amar mais do que pôde;
tivesse ouvidos
para ouvir e entender estrelas
assim, mais uma joia estava concluída;
era só girar, contra a luz, o prisma de cristal,
versos tantas vezes lapidados e polidos
multiplicavam-se nas suas faces espelhadas,
infinitos, singulares, irrepetíveis, belos
mosaicos, rosáceas - fractais do acaso;
sonetos, redondilhas, haicais - ditados pela alma,
imagens coloridas
feitas de luz,
no girar da vida.