As entrevistas da jovem brasileira Sharred, repatriada com o grupo recebido pelo triPresidente Lula na última segunda-feira, evocaram-me obra literária escrita por uma jornalista de origem ucraniana, quando a Ucrânia de Zelensky ainda não era palco da guerra entre Estados Unidos da América do Norte e seu braço armado, a OTAN, contra a Rússia. Falo de Svetlana Aleksiévich. O livro que a Companhia das Letras editou em 2018 intitulado As últimas testemunhas está no caminho que levou a jornalista e escritora ao Prêmio Nobel de Literatura, em 2015. Mal ultrapassadas as primeiras páginas do livro, fui levado pelos mesmos sentimentos antes experimentados por outros leitores de Svetlana. O livro dela, um verdadeiro libelo contra a pior estupidez que a sociedade humana produz, não é mais que a compilação de depoimentos que ela, gravador de voz em punho, colheu de pessoas que experimentaram na primeira infância os horrores que só as armas conseguem produzir. Já no primeiro terço das páginas (315) do livro da escritora e jornalista, tocou-me o sentimento que encima um texto daí resultante: o horror da guerra... O conjunto de depoimentos colhidos por Svetlana, se contém a expressão do que ela chama últimas testemunhas, nem mais nem menos, solicitou de mim seguir a mesma trilha... Mais pobre e sem igual talento, é certo, mas pavimentada pelos mesmos sentimentos que o livro lido contém dentro de si e os que levaram a autora a editá-lo. Foi assim que produzi o poético (pela forma) e dramático (pelo ambiente) Nada é (nem será) tão feio... Entregue ao competente trabalho da editora Scortecci (São paulo, 2022), à apresentação antes mencionada seguem-se sete capítulos, cada um deles tentando extravasar os sentimentos postos em papel na obra da premiada com o Nobel de Literatura de 2015, ao mesmo tempo em que vergastar os que se comprazem do sofrimento do outro, desde que isso lhes dê mais poder e dinheiro. Além de compensar os desequilíbrios de que taras não sei. Um trabalho assemelhado à busca de finas agulhas num palheiro em chamas, mas também um ponto de inflexão entre a tolerância diante da barbárie de que a guerra é o exemplo mais completo, e profunda rejeição e asco diante do fenômeno. Trato, ali, do amor, do horror, da infância, da fome, da compaixão, da memória e - por incrível que isso possa parecer - da poesia... Ao final, depois de elaborar poemas compostos por trechos retirados de As últimas testemunhas, escrevi os versos esperançosos, à moda de capítulo final. Pós-facto chamei esse poema, que diz assim:
Para continuar vivendo...
Pensar as feridas
imortalizar
os que morreram
alimentar novas e
desperdiçadas
(despedaçadas também)
esperanças...
nada faz melhor
que a
Poesia.
Márcio Seligmann Silva prefaciou a obra, que ele considera trabalho de curadoria da palavra. Que transforma a elegia em um canto para a Vida. (p.12).
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