Eu tinha uma tia, chapeleira de renome em Belém do Pará, que não cansava de repetir: Deus me livre da ignorância. Ainda não existia um tipo de ignorância cultivada e preferida pelos que dela pretendem fazer uso para defender seus próprios interesses e zombar da Ciência, da Verdade, da Sociedade. Um produto da sociedade de mercado, onde tudo se compra, tudo se vende. Essa, a ignorância revelada pelo deputado Carlos Jordy (PL-RJ, de onde mais esperar?), líder da oposição, na Câmara Federal. Agora investigado por sua participação nos atos de terrorismo abortado em 08 de janeiro de 2023, o parlamentar fluminense denuncia vivermos no que ele – do alto de sua abissal ignorância – chama ditadura do Judiciário. Neste caso, pelo menos, a ignorância pode ser tomada no seu sentido literal. Mais grave, ignorância inadmissível, tratando-se de um detentor de mandato popular. Obrigação prioritária de qualquer representante do povo, o conhecimento da organização política – a república -, das funções e prerrogativas dos poderes que a constituem – a partir da Constituição – seria o mínimo a exigir, dele e de quantos detêm mandatos outorgados pelo povo. Já nem se fale no ridículo de suas justificativas, quando trata do assunto. Primeiro, porque um deputado federal não pode alegar desconhecer a Constituição (Federal, como se sabe), onde estão estabelecidos os poderes e os limites de cada um deles, no cumprimento de suas funções republicanas. Mais de uma vez se tem dito, mas não interessa a certo tipo de gente(?), ser o Poder Judiciário o único que não dispõe do direito de intervir onde não é chamado. Isso equivale a dizer que somente quando terceiro (pessoa física ou jurídica ou algum outro dos três poderes) o provoca, as varas e os tribunais podem manifestar-se. Sem essa provocação, portanto, a máquina judiciária não se move. Nem se pode admitir, igualmente, a pretensão de levar adiante a tentativa de, pervertendo o Estado Democrático de Direito, um parlamentar – federal, ainda acima de tudo – deseje atribuir a outro poder o direito de interpretar a Constituição. Não se sabe até que ponto as contradições de Jordy correspondem à sua preferência ideológica ou são, mesmo, fruto de sua limitada inteligência ou desinteresse por aprender o que quer que seja. Se isso não lhe traz algum proveito material. Tanto que, referindo-se ao que ele chama de ditadura do Judiciário, diz que, ainda bem, é possível discursar para fazer a denúncia imbecil de que é autor. Depois, dizendo-se crítico do sistema eleitoral, o político niteroiense investe contra o processo eleitoral, como se os votos devessem ser considerados válidos segundo os beneficiários pessoais da manifestação dos eleitores. Assim, somente os votos atribuídos a ele, seus sequazes e cúmplices valeriam. Os dos demais deveriam ser levados à conta das irregularidades por ele desonestamente apontadas. Será difícil sequer discutir temas sérios com políticos dessa estirpe. O mundo a que pertencem não é o mesmo construído e mantido pelos inteligentes e, mais necessário ainda, conscientes de que a sociedade é uma construção coletiva, rejeitando qualquer imbecil que a deseje propriedade de alguns. Tia Guiomar não teria melhor espécime para ilustrar sua ojeriza, se vivesse nestes obscuros tempos. Dela trata a memória dos muitos sobrinhos que ainda estão por aqui. Do outro, tratam as autoridades policiais e judiciárias.
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