A política é uma ciência e como toda ciência tem seus instrumentos de busca de comprovação.
A compreensão do que vem a ser o Estado; a ação capaz de estabelecer relação com outro indivíduo, tendo como escopo “a obtenção de qualquer vantagem” (Hobbes) ou instituir “os meios que permitem alcançar os efeitos desejados” (Russell) deve orientar a práxis humana fundada na política, isto do ponto de vista clássico.
Não podemos cair na classificação ingênua de que a política tem fins nobres, humanísticos, propiciadores do pleno desenvolvimento do ser humano.
A lamúria, o idilismo, a utopia são manifestações legítimas do pensamento, mas ajudam muito pouco na solução do problema político. Podem até contribuir na construção do discurso, mas servem apenas ao ego ou à construção do perfil de um ou outro indivíduo.
A ingenuidade em atribuir à política um campo de construção da utopia pode se revelar como um intento de ludibriar o outro, ou seja, uma ação política clássica, camuflada no discurso purista do bem comum.
A ação política deve estar voltada para o poder, para a obtenção de vantagens ou para se alcançar os efeitos desejados. Se as vantagens ou os efeitos desejados envolvem o outro, a práxis é que a determinará. Se o bem comum da pólis estará no topo das intenções é a complexidade da ação que nos dirá.
O que temos que ter claro é que não há espaço para divagações na ação política.
Não está claro para mim o que vem a ser a “baixa qualidade na política ou dos políticos”, nem a eficácia da “qualidade política” na solução dos problemas da pólis. Talvez tenhamos que recorrer a um entendimento filosófico para contextualizar o termo.
Seria a qualidade política um instrumental para melhorar a relação com o outro, procurando um “efeito desejado” que favoreça um conjunto de indivíduos?
Seria a instituição de uma ética aglutinadora de valores comuns e edificadora de uma pólis onde todos ou a maioria desfrutem do bem comum?
É preciso fazer estes questionamentos para clarear os conceitos e as intenções do indivíduo na práxis política.
Se a política deve passar a ser um lócus das boas intenções, mesclando utopia com pragmatismo, não seria a própria negação da política e o alvorecer de uma nova forma de relação do indivíduo com o poder?
Seria isso possível? É possível estabelecer relação de respeito ao ser humano dentro de relações de poder?
O que temos claro é que a “qualidade na política” é um termo vago e falacioso se não estiver ligado a um projeto de construção de novas relações humanas, enraizada no respeito e nas possibilidades de pleno desenvolvimento do ser humano.
Para se chegar a isto, a relação com a política não pode iniciar na relação com o poder, mas na relação com o outro.
Podemos começar a construir uma política com qualidade e com ética se nossas ações responderem, cotidianamente, ao apelo de conceber uma nova sociedade, uma nova pólis, erguida na solidariedade.
A forma como a pólis se estruturou favorece à ação política clássica, onde as relações de poder são “coisificadas”.
A construção de um poder político que atenda aos interesses coletivos passa inexoravelmente pelo enfraquecimento da forma clássica de poder e pelo estabelecimento de uma práxis revolucionária.
A ação política ou o conjunto de atividades políticas pode se estruturar numa relação diferenciada, nas mais diferentes esferas do poder, na sua tipologia moderna.
Falar de qualidade na política e a partir disto buscar resposta aos problemas da pólis é encobrir com uma peneira as incertezas colocadas pela política.
Fundamentalmente, uma ação humana transformadora de valores pode ter um efeito profundo, se conseguir contagiar outros indivíduos da pólis.
Para concluir, defendo que a ação política pode seguir um outro viés se o dia a dia do indivíduo o revelar como cidadão que respeita o outro, esteja ele vinculado a uma das várias formas de poder ou não.
Não dá pra esperar chegar ao poder político para iniciar uma outra relação com a pólis e com seus cidadãos e cidadãs.
A qualidade na política pode ser dada a partir da própria conduta e da ação do indivíduo. Quando pensamos em mudar a política mas não mudamos nossa ação, estamos reproduzindo a política clássica, ou seja, buscando vantagens ou os efeitos desejados, nem sempre com olhar humano para o outro.
Para fazer da política uma ciência das relações humanas seria necessário romper com sua absolutização em relação ao poder, como estabeleceu Maquiavel, e fazer um novo diálogo que envolva desde Aristóteles (o indivíduo é um animal político) até Michel Foucault (o micro poder, a biopolítica...).
Neste caso, ao envolver Foucault, a política não perderia seu foco no poder, mas construiria uma possibilidade de interação, sem a enganação clássica do bem comum.
É preciso entender para que e a quem servem o paradigma de poder para se criar novas formas e relações de poder.
Lúcio Carril
Sociólogo
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