SOBRE A ALEGRIA (PARA POUCOS) DO NATAL
Lúcio Carril*
Não tenho religião nem deus, mas encampo tudo que há em defesa da vida e da felicidade.
Quando se aproxima o fim do ano e o espírito do natal toma conta de cristãos e não cristãos, uma profunda angústia invade minha alma e, já me preparando para uma reflexão existencial, começo a questionar o caminho que colocamos o mundo.
Continuo morando em bairro pobre da cidade de Manaus e por várias vezes não saio do meu quarto no dia de natal. A razão é simples: dói olhar para crianças que não receberam o seu presente e, na rua, demonstram que passa longe a ceia de natal. A humilhação é demais para mim.
Falo do presente de natal das crianças, simbolicamente, pois falo mesmo é da indiferença de poucos e da infelicidade de milhões de seres humanos.
Não quero ser feliz sozinho. Não quero ter as condições materiais só pra mim e pra minha família. Se os tenho, é apenas uma minúscula parte do que quero para todos.
Nem um pai e nem uma mãe poderiam passar pela angústia dilacerante de não poder dar um presente a seu filho no dia de natal. A exclusão dói demais, quando o excluído é nosso filho.
Só comemorarei o natal quando meu sentimento de solidariedade tiver resposta no mundo. Não quero a felicidade só pra mim. Quero que todas as crianças tenham presente e comida todos os dias, como se todo dia fosse um natal para todos.
* Lúcio Carril é sociólogo, pós graduado em Gestão e Políticas Públicas pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.