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Sem piada

Para o bem e para o mal, o exacerbado apego dos brasileiros à conciliação (por cima, cada vez mais por cima) sempre tem preservado reputações. Individuais ou coletivas, imagens projetadas raramente sob a luz cristalina, vão-se consolidando, sem que se consiga discernir quem é ou o que opera em um sentido ou no seu contrário. Reconhecimentos de benemerência ou agravos são registrados, mesmo quando pouco ou quase nada se sabe dos propósitos, se bons ou maus, dos agraciados. À inclinação conciliadora, portanto, junta-se inadmissível leviandade, se não absoluta irresponsabilidade. Talvez seja demais afirmar tendência ou opção pela marginalidade. Aqui, vale o in dúbio pro réu. Chega um momento, porém, em que a impossibilidade de espreitar trepado em muro invisível nada resolve. Pior, obriga a deixar o conforto da fictícia neutralidade, expondo o espreitador ao julgamento dos contemporâneos e da História. Por menor a simpatia ou rejeição à conduta do general Eduardo Pazuello, soa irônico tê-la como uma piada de caserna. Muita ironia, sem nenhuma graça. É monstruoso rir ou sequer insinuar um sorriso amarelo, quando à suposta piada associam-se quase 500 mil mortes. Para os mais jovens talvez convenha explicar o que eram piadas de caserna. Relatos curtos editados na Revista Seleções do Readers Digest, envolvendo atos do cotidiano dos quartéis em geral norte-americanos, distraiam os leitores nos tempos da chamada Grande Guerra. Suponho apenas mais uma dose de glamour a promover a monstruosidade à condição de ato louvável. Portanto, é perigoso e pouco adequado chamar de piada o conjunto da obra daquele general da ativa do Exército Brasileiro. Se, apuradas as responsabilidades do militar submisso ao camarada excluído do ambiente castrense ele acabar punido, pode estancar-se o processo de gradativo desprestígio das Forças Armadas, em especial o Exército. Piada não é! Espera-se que nada tenha a ver com o que se chama caserna. Também que eventual punição não aparente senão o prêmio pelos atos punidos, chamados pelo ex-sinistro de missão cumprida. Talvez valha a pena ler o que o coronel da reserva do Exército Marcelo Pimentel disse à Carta Capital. Opera livre e ostensivamente o que ele chama Partido Militar.

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1 Comment


swolffgeo
Jun 02, 2021

A conciliação à brasileira é uma ode ao cinismo.

Conciliação entre Casa Grande e Senzala é uma piada de mau gosto.

A conciliação é a busca do meio termo, que satisfaça o mínimo requisito de justiça e dignidade. Conciliação entre poderosos é apenas um conchavo.

Pelo menos o bolsonarismo serviu para escancarar que um quarto da população não tem qualquer intenção de incorporar os princípios republicanos fundamentais e construir uma nação para todos.

Não se pode esperar lucidez e bom senso dessa horda bestial. A linha da barbárie está para ser cruzada tal qual o Rubicão. Daí em diante mergulharemos em mais uma longa noite de pesadelos.


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