Há mais de 17 séculos, o autor latino Publius Flavius Vegetius Renatus disse: si vis pax, para bellum. A isso corresponde o que modernamente chamamos paz romana. Nada mais, nada menos que a resolução dos problemas, qualquer problema, à custa da força das armas, não dos argumentos nem das razões. Menos ainda dos sentimentos humanitários, escassos nestes tempos de extremo egoísmo, agravado pela força invisível de um vírus. Este, acolitado por vermes bípedes, humanicidas contumazes, vocações mortíferas exsudando por todos os poros. Enfim, a paz dos cemitérios. Para tornar-se a potência que um dia foi, o Império Romano submeteu todos os demais povos, por ele considerados bárbaros, escravizando-os, matando-os em massa. Ah, dirão os menos informados, isso foi ontem; hoje é diferente. Neste caso, a resposta tem alguma razão de ser, mas nem todas as razões. Mata-se, hoje, com muito mais facilidade. Às vezes, substituindo as armas tradicionais pela pena de uma caneta. Outras, sugando cada gota do suor e do sangue dos que dão a vida pela fortuna de terceira pessoa. Outras ainda, estimulando condutas nocivas à manutenção da saúde de todos ou impedindo ou retardando que os cuidados sejam prestados aos que deles necessitam. Vige, porém, o mesmo discurso de Vegetius. Aos que pensam ser a classificação do combate à covid-19 uma guerra por mero artifício linguístico ou retórico, sequer ocorre de refletir o que a denominação tem a ver com as mais profundas porções de nosso cérebro. O cérebro dos que nos governam e dos que pensam tirar proveito de sua proximidade com eles. Esses propósitos, justiça se faça, nunca estiveram ausentes do discurso do então candidato à Presidência da República, ao final eleito – segundo ele mesmo, em meio a fraude que teria prosperado na eleição de 2018. Atribui-se ao Presidente Washington Luís Pereira de Souza (Macaé, 1869- São Paulo, 1957) a crença em que todo problema social só se resolveria com a força policial. Ora, se pouco menos de um século nos separa do período governamental (1926-1930), comparado à distância do autor romano ele ocorreu ontem. Porque, do século IV até hoje a máxima de Vegetius ainda permanece firme. Nem seria prudente esperar coisa diferente, diante da reiteração do atual Presidente, ao prometer que encheria os gabinetes de Brasília de representantes das organizações que não lhe quiseram em suas fileiras. Lá nada é tão importante, nem se justifica, se não a preparação permanente para a guerra. Como admitir compromisso com a paz, de quem tem a guerra como valor maior, na formação, no modo de ver o mundo e prazer íntimo que só capacitados psicólogos e psiquiatras definiriam com precisão?
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