Leio de Thaís Carrança, na BBCNews, que 2% da população brasileira consomem 20% do total nacional. Isso quer dizer, feitas as contas na ponta do lápis, que os outros 98% por cento consomem 80%. Em números absolutos, pouco mais de 4 milhões de brasileiros têm consumo correspondente a mais de 210 milhões dos cobertos pelo mesmo céu. Numerosos destes últimos, pelo céu mesmo, eis que moram onde se pensa impossível morar - na rua. Embora a desigualdade revelada por esses números não seja nova, nem haja muita gente preocupada com ela, não será demais observar com atenção a que se deve a trágica e bem planejada realidade com a qual convivemos. Em especial diante da profunda crise que, bem costurada e ocultada, breve mostrará resultados ainda mais catastróficos. A pandemia já levou mais de 620 mil dos nossos irmãos, em sua maioria pertencentes aos extratos mais pobres da população. Aqueles incluídos dentre os 98% mais próximos da base da pirâmide social e econômica. Aos outros 2%, beneficiários da ação governamental, os prejuízos causados pela covid-19 têm sido bem menores, proporcionando aos sobreviventes acumular riqueza de que não disporiam, tivéssemos autoridades realmente preocupadas com a saúde e a vida de todos. Quando falta oxigênio nos hospitais, escasseiam os leitos adequados à prestação de bons serviços à população afetada pelo vírus, as autoridades opõem-se à vacinação, inventam meios de negá-las ou adiar sua aplicação nas crianças, tentam desmoralizar o SUS e a ANVISA e se entregam à campanha pela imposição de medicamentos comprovadamente ineficazes contra a doença. A maioria das vítimas - da covid-19 e das consequências que ela tem determinado, com ou sem ómitron - está dentre os 98%. O que resta empenha-se, no universo à parte por eles e pelo (des)governo construído, em adquirir mais helicópteros, carros de luxo, residências suntuosas e aplicar os ganhos escandalosos em investimentos financeiros em outros países. Talvez nunca, na história deste País (como costumava dizer o ex(e quem sabe futuro)-Presidente Lula, os ganhadores de sempre tenham ganhado tanto. Ainda assim, ocupamos a 10ª posição no ranque internacional, mesmo que isso represente a perda de pelo menos duas posições, em passado de que ainda nem todos esqueceram. As condições em que vive a maioria da população, se não todos os 98%, a maior parte deles, não são obras do acaso. Nem de que não se possam apontar os responsáveis. Eles estão espalhados por toda partem, parte, as regiões do País, as unidades federativas, os poderes do Estado e boa parte da população, olhos vendados e ouvidos moucos às advertências por vezes em voz alta pronunciadas. O que torna essa fatia, minoritária mas subserviente e disponível, cúmplice da tragédia que, junto com os milhares de centenas de mortos leva pra bem longe as esperanças restantes. Contra isso - a perda da esperança - é que devemos lutar. Se ela é a última que morre, não permitamos que continuem morrendo os que não vêm contribuindo para tornar vitoriosa a trajetória de vírus e vermes.
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