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Símbolos e demônios

Foto do escritor: Professor SeráficoProfessor Seráfico

Sem símbolos, o que restaria à sociedade humana, para dizer-se superior aos coletivos de outros animais? Nada demonstra esse fenômeno com tanta contundência e impacto quanto as festas e outros momentos marcantes da trajetória humana. Um deles, o Natal. Para relembrar e festejar o menino que se diz nascido em simples manjedoura, reúnem-se as famílias, ano-pós-ano, sempre sob o pretexto de não perder o significado do gesto, ainda que os sentimentos arguidos muitas vezes soçobrem à força de valores incompatíveis com as festas natalinas. É certo que os cristãos (os sinceros e os de ocasião), mesmo aos agnósticos e os ateus, todos veem sentido em reiterar seu amor e sua fé, a esperança e a adesão aos sentimentos que o peregrino da Judeia espalhou pelo Mundo. Importa quase pouco a todos que as esperanças logo se esgotam, quando o tilintar das caixas registradoras desata sorrisos e gargalhadas de felicidade. Seria despropósito estimar sequer o número dos que se satisfazem com o barulhinho das máquinas registradoras, ou com o quase imperceptível som das maquininhas que recebem cartões de crédito. Que são muitíssimos, é o máximo que se pode dizer. Dos outros, mesa farta ou não, se diz com segurança que são maioria, até nos países que tentam apresentar (nem sempre o conseguindo) afinidades com o símbolo festejado. Desagradável para os que expressam sinceros sentimentos, ou não, fato constatável é o afastamento gradativo da conduta humana, em relação à pregação tantas vezes invocada, escassamente seguida, todavia. Em todo lugar do Planeta, realizavam-se festas de congraçamento, enquanto as mesas e os espaços públicos e domésticos eram preparados para a grande noite de Natal. Foi numa dessas festas, em Minas Gerais (importante cidade de um país que se apresenta como predominantemente cristão), que um homem – se feito à imagem e semelhança do menino comemorado, não se pode crer – roubou a vida a outro de seus semelhantes (?) O mais antigo de todos os empregados da comunidade em festa de congraçamento(!) recebera seu presente, em nome de Jesus: o aviso de que já não mais pertencia àquela comunidade. Então, já estava sem emprego. Era muito alto o preço de seu trabalho, dissera pouco antes a vítima do homicídio. Pior, as autoridades policiais, no registro legal exigido, atribuíram às facadas mortais motivos por elas considerados fúteis. Aí, a primeira manifestação do simbolismo próprio dos atos humanos: o desemprego é fenômeno desimportante. Mesmo se praticado o ato sob o clima que se diz inspirado por um dos maiores humanistas que a História já produziu. Não fica só nessa primeira circunstância o simbolismo invocado neste texto. O outro vem do fato de que se tratava de uma festa para relembrar e reverenciar talvez o maior dos humanistas que pisaram o chão deste infelicitado Planeta. As informações sobre o fato não chegam a mencionar quanto custava ou custaria para a empresa promotora do evento o valor mensal do trabalho do homem que se tornou delinquente. Nem é preciso saber quanto o primeiro de todos os empregados onerava a folha de pagamento. Apenas dizer quanto foram corrompidos conceitos atribuídos a Jesus de Nazaré, passados dois milênios desde que ele levou sua palavra aos seus irmãos. Fraternidade e futilidade agora têm outro significado. Tendo tudo muito a ver com o demônio que se chama mercado.


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